Os brasileiros, de um modo geral, confiam na ciência e nos cientistas, de acordo com pesquisas de 2015 e de 2019 sobre percepção da sociedade em relação à ciência. Mas são poucos os brasileiros que sabem dizer o nome de um cientista brasileiro e de um instituto de pesquisa tupiniquim. Pensando em ajudar a mudar essa situação, o Profissão Biotec criou o projeto “Perfil de Pesquisadores Brasileiros” para apresentar pesquisadores que fazem ciência de ponta (e em biotecnologia) em nosso país! Conheça no perfil de hoje a pesquisadora Dra. Talita Miguel Marin.
Dra. Talita Miguel Marin – Human-on-a-chip e ensaios celulares como alternativa aos animais de experimentação
Dra Talita Marin é atualmente pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e coordenadora do Laboratório de Cultivo de Tecidos Humanos (LNBio/CNPEM). Iniciou sua carreira científica ao conhecer seu orientador em um congresso de cardiologia e posteriormente realizou parte de seu doutorado na Harvard Medical School. Dedica-se a pesquisas com organóides humanos (mini-órgãos humanos artificiais) e o sistema microfisiológico humano (os famosos Human-on-a-chip) e estabelecendo metodologias in vitro que substituam o uso de animais em laboratório com apoio da Rede Nacional de Métodos Alternativos – RENAMA. Devido ao grande destaque do projeto Human-on-a-chip na mídia, a Dra. Talita já participou de entrevistas, reportagens e documentários divulgando sua pesquisa. Vamos conhecer um pouco mais do trabalho e da trajetória dessa pesquisadora brasileira?
Confira abaixo a entrevista completa com a Dra. Talita para conhecer a trajetória de sucesso dessa pesquisadora brasileira!
PROFISSÃO BIOTEC: QUAL É A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA (GRADUAÇÃO, PÓS-GRADUAÇÃO E PÓS-DOC) E CARGO ATUAL?
Talita Marin: Sou bacharel em Fisioterapia pela PUCCAMP e em Sociologia pela Unicamp. Tenho mestrado e doutorado pela FCM Unicamp e pós-doc pelo CNPEM. Realizei parte do doutorado na Harvard Medical School. Meu cargo atual é de pesquisadora no LNBio [Laboratório Nacional de Biociências que fica em Campinas -SP e é parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais – CNPEM] e coordenadora do Laboratório de cultivo de tecidos humanos – LNBio/CNPEM.
PB: EM QUE PROFISSIONAL SE INSPIROU PARA SEGUIR ESSA CARREIRA?
TM:Tive várias inspirações durante minha formação. Mas a mais marcante e importante e a que até hoje em dia vem à minha mente em situações diversas, de tomada de decisão, de posicionamento e postura, é a cientista Maria Irene Kontaridis, minha mentora nos EUA durante o doutorado. Ela é o exemplo de pessoa e profissional que procuro perseguir
PB: QUAL É SEU LIVRO DE CABECEIRA OU FILME FAVORITO?
TM:Gosto muito do livro Raízes do Brasil, é uma leitura importante especialmente nesse período que o país vive atualmente. Com relação aos filmes são muitos, mas citando alguns: “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, “O Poderoso Chefão – trilogia”, “O Mágico do Oz”, “Perfume de Mulher”.
PB: QUAIS EVENTOS ACONTECERAM NA SUA VIDA (MAS NÃO APARECEM NO LATTES) QUE TE LEVARAM AONDE ESTÁ AGORA?
TM: Um fator crucial foi o fato de eu não ter me encontrado na profissão para a qual eu havia me formado – fisioterapia. Isso ficou claro para mim já durante a faculdade, tanto que iniciei concomitantemente outro curso de graduação em ciências sociais, na tentativa de sanar minha insatisfação. Porém, desde muito pequena me interessei por ciências e assuntos afins. Frequentei colégio técnico e me formei técnica em Bioquímica antes de graduação. Durante o trabalho de conclusão de curso procurei me aproximar da área de pesquisa e fazer um trabalho aplicado, de campo, com dados experimentais e não as tradicionais revisões bibliográficas. Foi em um congresso de cardiologia no qual estava apresentando esse trabalho que conheci meu orientador de mestrado e dei início à carreira científica.
PB: QUAL É A SUA PRINCIPAL ÁREA DE PESQUISA ?
TM: Atualmente minhas atividades se concentram na pesquisa, desenvolvimento e estabelecimento de metodologias in vitro com maior valor científico e que possam refinar, reduzir e substituir o uso de animais de laboratório com apoio da Rede Nacional de Métodos Alternativos – RENAMA- ligada ao Ministério da Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações. O nosso laboratório confecciona organoides humanos, que podemos simplificar como miniórgãos humanos artificiais para uso em ensaios de laboratório. Atualmente, produzimos minicoração, minifígado, minirim e mini-intestino. Cultivamos esses miniórgãos dentro de uma placa com microcanais que levam um líquido chamado de meio de cultura ou sangue artificial até as tecidos, através de um fluxo que imita a circulação sanguínea, garantindo a nutrição adequada e a conexão de um organoide com o outro à semelhança do que acontece no corpo humano.
Também reconstruímos em laboratório o epitélio corneano humano, para realização de testes que substituam o teste de Draize realizados em olhos de coelho vivos. Tentando aproximar-se ao máximo da fisiologia do corpo humano, nosso grupo espera obter resultados mais robustos e reduzir o número de animais usados em experimentos científicos.
PB: POR QUE VOCÊ ESCOLHEU ESSE TEMA DE PESQUISA?
TM: Minha formação na pós-graduação se baseou em cultivo de células e experimentos de biologia molecular voltados para a área de cardiologia. Sempre gostei muito dessa área da pesquisa. Porém no pós-doc eu mudei de área, e trabalhei com expressão, purificação e cristalização de proteínas e ensaios biofísicos in vitro. Foi uma época enriquecedora no sentido de aprendizagem e ganho de experiência, mas frustrante pessoalmente, pois foi uma área com a qual eu não me identifiquei. Então, em dezembro de 2014 fui convidada a co-liderar o projeto chamado Human-on-a-Chip. Na ocasião, fiquei muito entusiasmada e feliz pela oportunidade de retornar a trabalhar com o que realmente gostava e era especialista, além do projeto em si, que era super novo, tecnológico, desafiador e com uma missão muito nobre. No ano seguinte fui introduzida à RENAMA e em 2017 iniciei um projeto fomentado pelo CNPq de estabelecimento e disseminação no Brasil de metodologias in vitro de avaliação de toxicidade ocular que pudessem reduzir os testes em olhos de coelhos vivos.
PB: ONDE VOCÊ VÊ SUA PESQUISA NOS PRÓXIMOS 5 ANOS?
TM:Vejo a pesquisa do nosso laboratório mais madura e desenvolvida. Vejo o desenvolvimento e produção de diferentes modelos de organoides, a realização de testes farmacológicos em sistemas microfisiológicos mais estabelecida , resultando em publicações e dados robustos e úteis para a comunidade científica e para a sociedade.
PB: COMO VOCÊ SE SENTE EM RELAÇÃO À CIÊNCIA BRASILEIRA?
TM: Atualmente, bastante preocupada. A ciência e tecnologia são as bases óbvias de qualquer sociedade desenvolvida e, portanto, uma de suas prioridades. Espero que a situação do país melhore para que possamos ter recursos para investimentos abundantes em ciência e tecnologia.
PB: QUAIS DICAS VOCÊ DARIA A BIOTECNOLOGISTAS AINDA NA GRADUAÇÃO?
TM:Que procurem se informar e se familiarizar o máximo possível sobre o leque de atividades que a formação oferece e vivenciar já durante a graduação as atividades profissionais que mais os atraírem. E mais importante, invistam na sua formação: a biotecnologia é uma das profissões do futuro!
PB: QUAIS AS DIFICULDADES DE FAZER PESQUISA NO BRASIL?
TM: São muitas. Desde dificuldades de importação e obtenção de equipamentos e insumos em bom estado de conservação e utilização, até a qualidade de formação dos recursos humanos especificamente para a carreira científica. Os aspirantes à cientista são formados basicamente durante o mestrado e o doutorado, a despeito de alguns já iniciarem sua formação durante a iniciação científica. Porém, essa lacuna de formação na graduação retarda o alcance do pleno desenvolvimento e do pleno potencial desse recurso humano e por consequência do grupo de pesquisa no qual está inserido. Um maior foco, maior valorização e/ou direcionamento do aluno para a área científica durante a graduação ou mesmo a criação de cursos específicos voltados à carreira científica em várias áreas do conhecimento seria de grande valia para a ciência brasileira. A boa notícia é que, na minha opinião, a criação do curso de biotecnologia atende parte dessa necessidade de direcionamento de formação. Outro fator importante é a baixa remuneração do cientista. Mas dada a natureza da atividade não lucrativa no setor público a remuneração do profissional é baixa no Brasil e no exterior.
PB: VOCÊ REALIZA ATIVIDADES DE EXTENSÃO OU DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA? QUAIS?
TM:Sim, eu coordeno e dou aula em dois cursos anuais que abordam diferentes métodos alternativos ao uso de animais. Sempre que tenho oportunidade e tempo ministro palestras para diferentes públicos. Porém, gostaria de ser mais ativa em ações de divulgação científica. A divulgação científica é de extrema importância e valor.
Para conhecer mais sobre a nossa ciência, continue acompanhando o quadro “Perfil de Pesquisadores Brasileiros” do Profissão Biotec! Confira também os infográficos desse quadro e mande para seus amigos! Ah, acompanhe nossas redes sociais para não perder nenhuma entrevista! Facebook / LinkedIn / Instagram.
Entrevista realizada por:
Projeto “Perfil de Pesquisadores Brasileiros” realizado por Bruna Lopes e Priscila Esteves de Faria e coordenado por Natália Bernardi Videira