Plantas como biofábricas: o papel da biotecnologia vegetal na luta contra a COVID-19

A biotecnologia vegetal possui diversas aplicações, entre elas a produção de vacinas. Entenda como ela está ajudando na luta contra a Covid-19.

Desde o início da pandemia da COVID-19 e a divulgação da sequência genômica do vírus SARS-CoV-2, causador da doença, vários pesquisadores trabalham em centros de pesquisa do mundo inteiro em busca de uma vacina que possa ser a arma definitiva na batalha contra a COVID-19.

Assim que os pesquisadores desenvolverem uma vacina que seja realmente efetiva contra o vírus e segura para que possa ser utilizada pela população, uma nova etapa se inicia: encontrar um método que permita a produção rápida e em larga escala a custo baixo. Nesse sentido, pesquisadores de todo o mundo já estão se adiantando no processo e buscando maneiras de produzir a vacina assim que descoberta.

Uma das opções é utilizar plantas como biofábricas em um processo chamado de cultivo molecular (molecular farming). O cultivo molecular consiste na modificação de genes de plantas com o objetivo que elas produzam proteínas específicas que possam ser usadas como medicamentos ou vacinas.

Cultivo molecular

Inicialmente, desde a descoberta do DNA recombinante nos anos 70, a produção de proteínas de interesse farmacológico e industrial tem sido feita com a utilização de microorganismos em sistemas de fermentação e também por meio da da cultura de células transgênicas em mamíferos. Esses sistemas, porém, possuem suas desvantagens como autenticidade da proteína (sequência correta de aminoácidos e modificações pós-traducionais necessárias), questões de biossegurança e também o custo de produção que pode ser alto.

 Uma opção relativamente recente é o uso de sistemas vegetais para produção de proteínas de interesse farmacêutico como reagentes para diagnósticos, vacinas e medicamentos. O custo de produção de proteínas através de biofábricas vegetais representa 10% do custo de produção de um sistema baseado em leveduras, podendo esse custo ser ainda relativamente menor quando comparado à produção através do cultivo de células de mamíferos.

Esse método se baseia na possibilidade de produzir essas proteínas de forma heteróloga* utilizando a maquinaria de produção de proteínas do vegetal. A produção dessas moléculas ocorre pode ocorrer através de suspensões de células em laboratório, , sementes (principalmente de leguminosas e cereais), tubérculos como da batata, folhas (alface e espinafre) e frutas (tomate e banana).

Hoje já existem anticorpos, vacinas e proteínas terapêuticas em fase final de pesquisa e ainda alguns já lançados no mercado (reagentes laboratoriais e medicamentos). 

Como é feita a produção de proteínas

Há duas forma de produzir proteínas de interesse a partir de vegetais: transformação estável do material genético nuclear ou do cloroplasto (utilizando agrobacterium** ou o processo conhecido como biobalística), e expressão transiente de genes através da agrobacterium de ou vírus que infectam vegetais. 

  • Transformação estável: É a mais comum. Pode ser utilizada em uma série de espécies vegetais. A síntese da proteína recombinante é contínua durante todo ciclo de vida do vegetal, já que o transgene é incorporado ao material genético da planta e multiplicado durante o processo de divisão celular.
  • Expressão transiente: Nesse caso o transgene é expresso por um breve período de tempo, não sendo constante durante toda a vida da planta. Geralmente é utilizada na verificação da eficiência (da inserção e da expressão do gene) da construção do gene utilizado na transformação e sua efetividade na produção da proteína de interesse.
Cultivo molecular de antígenos em plantas. Fonte: Singhabahu et al., 2016

 

Utilização de plasmídeos virais

Recentemente a utilização de material genético de vírus que infectam vegetais em combinação com o DNA que codifica para  a proteína de interesse tem gerado bons resultados em relação à produtividade dessas proteínas. Nesse caso o plasmídeo (vetor contendo os materiais genéticos virais e da proteína a ser produzida) utilizado infecta a planta também através da agrobacterium.

 O método se baseia no fato de que genes virais tem a característica de possuir uma taxa muito alta de multiplicação e consequentemente alta produção da proteína de interesse. Esses sistemas têm utilizado um vírus chamado Vírus do Mosaico de Tabaco (TMZ – Tobbaco Mosaic Virus) para produção das proteínas de interesse em folhas de tabaco (Nicotiana benthamiana) , tendo obtido sucesso por exemplo, para produção de anticorpos de vírus Influenza.

Plantas de Nicotiana tabacum. (Fonte: Pixabay/Couleur)

Biotecnologia vegetal e o COVID-19

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Agrícola (CRAG – Centre for Research in Agricultural Genomics) em Barcelona estão empenhados em produzir antígenos para SARS-CoV-2 que possam ser utilizados como vacina. María Coca e Juan José López-Moya são especialistas em biotecnologia vegetal e virologia, respectivamente. Juntos, eles já produziram um composto ativo antifúngico utilizando plantas de Nicotiana benthamiana e o plasmídeo viral. Agora, estão empenhados em utilizar a mesma tecnologia para produção de antígenos para o SARS-CoV-2, tanto em tabaco quanto em alface. Segundo López-Moya, uma vez que o sistema tenha sido desenvolvido e validado, poderia ser implementado facilmente para produção do antígeno em larga escala.

A empresa canadense Medicago também diz estar trabalhando em uma vacina produzida a partir de biotecnologia vegetal. Segundo o CEO da empresa Bruce Clark, uma vez que tenham aprovação para produção da vacina, seriam capazes de produzir 10 milhões de doses a cada mês.

Para incentivar que outras iniciativas como as citadas acima possam ser desenvolvidas, pesquisadores da Universidade de Tecnologia de Queensland (Austrália) que trabalham no projeto NEWCOTIANA H2020 financiado pela União Européia estão compartilhando dados da montagem do genoma de Nicotiana benthamiana. O time é liderado pelo Prof. Peter Waterhouse, e segundo ele a obtenção de sequências genômicas de alta qualidade é necessária para entender e otimizar os genes, a quantidade e qualidade de compostos biofarmacéuticos produzidos através do cultivo molecular.

Dessa forma o cultivo molecular em plantas pode ser um grande aliado na produção de vacinas e fármacos de forma segura e com baixo custo. Vale a pena ficar de olho nessa técnica e nas suas aplicações tanto visando o combate ao coronavírus quanto no tratamento de outras doenças. Já tinha ouvido falar do cultivo molecular em plantas, o que acha dessa ferramenta biotecnológica? Conta pra gente, vamos conversar!

* Produção de proteínas por uma célula que naturalmente não fazem (ou seja, expressam) tal proteína.

** A transformação genética via Agrobacterium tumefaciens permite a inserção de cópias do transgene (gene de outra espécie) de interesse no DNA da planta hospedeira.

Texto revisado por Priscila Lopes e Natália Videira
Referências:
COVID-19: HOW PLANT BIOTECHNOLOGY CAN HELP. Disponível em <https://www.cragenomica.es/crag-news/covid-19-how-plant-biotechnology-can-help>. Acesso em: 24 de abril de 2020.
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LEITE, M.L., SAMPAIO, K.B., COSTA, F.F., FRANCO, O.L., DIAS, S.C., CUNHA, N.B.. Molecular farming of antimicrobial peptides: available platforms and strategies for improving protein biosynthesis using modified virus vectors. An. Acad. Bras. Ciênc. v. 91, e20180124,    2019 .   
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SINGHABAHU, S.; HEFFERON, K.; MAKHZOUM, A. Plant molecular pharming. In book: Transgenesis and Secondary Metabolism, Springer International Publishing, p.1-26, 2016. 
GHAG, S.B.; ADKI, V.S.; GANAPATHI, T.R.; BAPAT, V.A. Heterologous protein production in plant systems. GM Crops & Food. 2016.WIKIPEDIA – AGRICULTURA MOLECULAR. https://es.wikipedia.org/wiki/Agricultura_molecular. Acesso em: 24 de abril de 2020.

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