Você já mediu sua glicemia em jejum? Se sim, espero que tenha dado um resultado normal, mas você já pensou em medir a sua insulina? A insulina é o hormônio que auxilia no processo de entrada de glicose dentro das células e mantém os níveis de “açúcar” no sangue estáveis. Quando esse sistema começa a funcionar com dificuldade, dizemos que a pessoa está com resistência à insulina.
A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de várias doenças crônicas como a diabetes tipo II, que começa com a resistência à insulina desenvolvida, entre outros motivos, pelo excesso de peso. Mas você sabe por que isso acontece?
Insulina e seu receptor
Adicionar um parágrafo curtinho com a definição de insulina.
A entrada da glicose nas células é condicionada pela abertura de canais que possibilitem sua passagem do meio externo ao meio interno da célula. Esses canais, no entanto, permanecem fechados a menos que haja o estímulo de vias complexas de sinalização intracelular que são iniciadas pelos receptores de insulina na membrana da célula.
A insulina, ao ligar-se ao receptor celular, irá promover uma mudança conformacional da sua estrutura e fosforilar (adicionar um grupo fosfato) diversos substratos intracelulares, dando origem à cadeia de sinalização que abrirá os canais de glicose. Dessa maneira, a insulina regula as concentrações de glicose no sangue.
A fosforilação dos substratos do receptor de insulina deve ocorrer em resíduos de tirosina (um aminoácido). No entanto, a inflamação crônica no tecido adiposo causa mudança nessa atividade, e os receptores de insulina passam a fosforilar os seus substratos em serinas (outro aminoácido).
Essa mudança causa a inibição da fosforilação em tirosina quando a insulina interage com o receptor. Dessa maneira, a abertura dos canais de glicose é comprometida e o pâncreas passa a ter que produzir cada vez mais insulina para regular a glicose sanguínea. Por sua vez, a sobrecarga do pâncreas em longo prazo leva à Diabetes tipo II, como veremos a seguir.
Diabetes tipo II
A diabetes tipo II é a mais comum entre os tipos de diabetes, acometendo 1 em cada 11 pessoas no mundo. No Brasil, cerca de 12,5 milhões de pessoas a possuem. Essa é uma doença multifatorial, que pode aparecer devido à má alimentação, ao sedentarismo e à obesidade.
A doença é resultante de uma condição chamada resistência à insulina, que ocorre quando o pâncreas é obrigado a produzir mais insulina na tentativa de reduzir os altos níveis de glicose no sangue. Depois de um tempo trabalhando em sobrecarga, as células do pâncreas morrem ou perdem sua funcionalidade, e, neste momento, não conseguem mais baixar a glicose a níveis normais, caracterizando o início da diabetes tipo II.
Metabolismo dos adipócitos
Mas qual a relação entre insulina e tecido adiposo? Nosso organismo armazena gordura no tecido adiposo branco subcutâneo e visceral. Os adipócitos, que são as células dentro das quais a gordura fica armazenada, tem seu funcionamento comandado, entre outros modos, pelo hormônio insulina. Quando nos alimentamos com um prato de macarrão, por exemplo, nosso nível de glicose no sangue aumenta rapidamente e, com ele, o nível de insulina.
A glicose é a fonte de energia preferida das células do nosso corpo e é consumida rapidamente. Por outro lado, caso não haja glicose entrando na corrente sanguínea, começamos a usar as reservas de gordura que estão dentro dos adipócitos.
Por esse motivo, quando os níveis de insulina estão altos, os adipócitos “entendem” que devem continuar guardando a gordura em seu interior. Mas se o nível de insulina estiver baixo, quer dizer que temos também pouca glicose e, dessa maneira, os adipócitos passam a realizar um processo chamado lipólise.
A lipólise é a quebra da gordura armazenada no interior dos adipócitos em ácidos graxos livres (AGL), que são lançados na corrente sanguínea para serem usados como energia no lugar da glicose.
Atividade lipolítica dos adipócitos viscerais
Os adipócitos do tecido adiposo visceral, aquele que fica entre os órgãos na região abdominal, apresentam certa resistência à regulação de seu metabolismo pela insulina por possuírem poucos receptores para esse hormônio. Dessa maneira, eles têm atividade lipolítica aumentada e liberam muitos AGL no sangue.
Os AGL em excesso no sangue, junto às gorduras provenientes da dieta, passam a se acumular em órgãos como fígado, músculos e pâncreas. O acúmulo de gordura nas células desses órgãos compromete o funcionamento de organelas como mitocôndrias, retículo endoplasmático e lisossomos, o que gera espécies reativas de oxigênio e proteínas pró-inflamatórias, causando inflamação sistêmica de baixo grau.
Essa inflamação sistêmica, por sua vez, compromete todo o ciclo da glicose e causa resistência à insulina primeiramente no fígado, que é o órgão mais sensível a esse processo, e depois no restante do corpo, como músculos e no próprio tecido adiposo.
Consequências da Obesidade
Como já mencionamos em outro texto, a obesidade causa inflamação crônica no tecido adiposo devido ao acúmulo exagerado de gordura. Durante esse processo inflamatório, a maioria das células que são recrutadas pelo sistema imune podem causar a resistência à insulina nos adipócitos. Isso ocorre devido ao comprometimento do funcionamento dos receptores de insulina presentes na membrana celular das células de gordura.
Outras alterações fisiológicas que ocorrem na obesidade tem impacto no desenvolvimento do Diabetes tipo II, tais como: a diminuição da produção de adiponectina, produção elevada de resistina, do fator de necrose tumoral (TNF-α), e da interleucina-6 (IL-6). Além disso, a obesidade também causa resistência à leptina. Todas essas proteínas são produzidas no tecido adiposo e o aumento deste último desregula as concentrações séricas de seus produtos, todos eles favorecendo o surgimento da resistência à insulina.
Saber como se desenvolve a resistência à insulina pode ser um alerta para que as pessoas se conscientizem sobre a necessidade de evitar a obesidade, mantendo hábitos saudáveis de alimentação e exercícios físicos. Além disso, a obesidade pode ser a causadora de várias outras doenças crônicas como hipertensão e hipergliceridemia. Mas a obesidade em si também é uma doença e merece ser estudada e tratada. Adicionalmente a biotecnologia tem contribuído muito para o avanço do conhecimento e na busca de fármacos que possam auxiliar os pacientes com essas comorbidades.
Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. Por que a obesidade causa resistência à insulina? Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/por-que-a-obesidade-causa-resistencia-a-insulina/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
AHMED, B. et al. Adipose tissue and insulin resistance in obese. Biomedicine & Pharmacotherapy, v. 137, 2021. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0753332221001001>. Acesso em: 06/04/22.
BJÖRNTORP, P. Metabolic implications of body fat distribution. Diabetes Care, v. 14 , n. 12, 1991. Disponível em:<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/1773700/>. Acesso em: 06/04/22.
CARVALHEIRA, J. B. C., et al. Vias de Sinalização da Insulina. Arq Bras Endocrinol Metab, v. 46, n. 4, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/abem/a/RpxWg3ZnBgR39nXW8zdQxHb/?lang=pt#>. Acesso em: 06/04/2022.
GUIMARÃES, D. E. D. et al. Adipocitocinas: uma nova visão do tecido adiposo. Rev. Nutr., Campinas, v. 20, n. 5, 2007, pp: 549-559. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rn/a/7RrBzWMZF4WKpZJwRYV83Bj/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 10/10/2022.
SILVA, B. V. et al. Proteínas quinases: características estruturais e inibidores químicos. Quim. Nova, V. 32, N. 2, 453-462, 2009. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/qn/a/wL8TzqqXdhC3yCXB7W4GTNk/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 06/04/2022.
WU, H.; BALLANTYNE, C. M. Metabolic Inflammation and Insulin Resistance in Obesity. Circulation Research, v. 126, n. 11, 2020. Disponível em: <https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/CIRCRESAHA.119.315896>. Acesso em: 06/04/22.
Fonte da imagem destacada: Unsplash.