Você sabe como as proteínas fluorescentes foram descobertas e como elas são utilizadas? Nesse texto contamos um pouco sobre essa história

Você provavelmente já ouviu alguma história, ou assistiu algum filme envolvendo uma mulher com serpentes no lugar dos cabelos que transforma em pedra qualquer um que cruze seu olhar. Na mitologia grega, seu nome é Medusa – mas não é sobre essa Medusa que vamos falar aqui e sim sobre algo relacionado com as medusas que você talvez conheça como águas-vivas.

Osamu Shimomura foi o primeiro pesquisador a identificar uma proteína verde fluorescente (Green Fluorescent Protein – GFP) nas águas-vivas Aequorea victoria, em 1962. Quarenta e seis anos depois, em 2008, Shimomura, Martin Chalfie e Roger Y. Tsien receberam o prêmio Nobel de Química devido ao descobrimento da GFP, sua aplicação como um marcador celular e seu mecanismo de fluorescência, respectivamente.

Medusa Aequorea victoria sobre fundo preto. Fonte: World Register of Marine Species, 2019.

Bioluminescência e Biofluorescência

A natureza está repleta de organismos que podem emitir luz. Já foram observadas mais de 10 mil espécies de 800 gêneros diferentes com essa capacidade. Especula-se que na maioria dos casos, as principais razões para alguns organismos terem adquirido esse traço evolutivo são: afastar predadores, atrair presas e acasalamento. O exemplo mais comum que temos são dos vagalumes (um grupo de insetos com mais de 2.000 espécies espalhadas pelo mundo). Vale ressaltar que, infelizmente, esses insetos estão sob risco de extinção.

Mas afinal, o que é a bioluminescência? É a luz produzida por organismos vivos através de uma reação química. Geralmente, essa reação envolve enzimas denominadas luciferases e seus substratos, as luciferinas, que produzem luz ao serem oxidados. Já a fluorescência é um processo mais físico do que químico e envolve a absorção de luz em um comprimento de onda e emissão de luz em outro comprimento de onda (em uma outra cor). Enquanto que a biofluorescência é quando organismos vivos emitem luz fluorescente. 

Alguns organismos emitem luz por vias diferentes, como é o caso da medusa Aequoria victoria, que emite luz azul através de uma fotoproteína chamada Aequorina. Foi Osamu Shimomura quem descobriu a Aequorina e, durante o processo de purificação dessa fotoproteína, também encontrou pequenas quantidades de uma proteína verde fluorescente – a GFP.

Proteínas fluorescentes

Uma coisa muito corriqueira nas histórias científicas são as descobertas acidentais, onde muitas vezes a curva na pesquisa acaba virando a estrada principal, e a descoberta secundária se torna o carro chefe. Shimomura descobriu que as GFPs absorvem parte da luz azul emitida por aequorinas e então fluorescem emitindo luz verde.

A descoberta da GFP permitiu uma revolução nas ciências biomédicas. A clonagem e expressão do gene recombinante em outras células, como bactérias, fungos e neurônios, deram luz (literalmente) ao que não se podia enxergar. Além disso, a caracterização da estrutura proteica da GFP e do seu cromóforo – a parte responsável pela cor – possibilitaram a realização de modificações genéticas para produção de outras proteínas fluorescentes como a YFP (amarela), BFP (azul) e CFP (ciano).

Mesmo sendo as mais populares, a GFP e suas variantes não são as únicas proteínas fluorescentes obtidas de seres vivos com amplo uso. Estudos com a anêmona Discosoma striata forneceram o gene para uma proteína vermelha fluorescente (RFP, ou DsRed), além de mutantes como a mCherry, mTangerine e mBanana – quase uma salada de frutas!

Exemplos de proteínas fluorescentes como as discutidas acima. Modificado de http://photobiology.info/Zimmer.html e anteriormente retirado de Roger Y. Tsien – Nobel Lecture 2008.

Analisando o banco de dados de proteínas fluorescentes (FPbase), observamos que até  março de 2021, 828 entradas de proteínas estão depositadas no site.  Segue abaixo o gráfico contendo os espectros de absorção e emissão de luz, assim como as cores referentes às proteínas depositadas no site.

Gráfico de pontos, no qual, cada ponto refere-se a uma proteína depositada no banco de dados. #pracegover: Os pontos estão coloridos de acordo com a luz emitida por cada proteína, começando no espectro azul e terminando no vermelho. No eixo x, observamos a faixa do comprimento de ondas de excitação (entre 350 e 750 nanômetros) e, no eixo y, observamos a faixa do comprimento de onda da luz emitida (entre 400 e 750 nanômetros). Adaptado de: Lambert, 2019.

Como as proteínas fluorescentes afetam a ciência?

Com o uso da tecnologia do DNA recombinante é possível inserir o gene de proteínas fluorescentes em organismos para realizar o que chamamos de marcação. Quando o gene de uma proteína fluorescente é fusionado a outro gene de interesse, é possível realizar análises sobre a taxa de expressão desse gene, uma vez que ambos serão expressos em conjunto. 

Além de ser possível utilizar essas proteínas fluorescentes para determinar a localização de uma proteína marcada no organismo, também é possível acompanhar sua localização. Através da Microscopia de Fluorescência pode-se realizar o monitoramento de uma proteína, ver o caminho que ela percorre em uma célula e avaliar processos celulares de forma dinâmica utilizando time-lapse – uma sequência de fotos de um determinado evento que pode ser exibida em um vídeo de poucos segundos/minutos causando a impressão de aumento na velocidade de exibição.

Outros métodos de marcação celular já existiam antes das proteínas fluorescentes serem aplicadas. Métodos como imunocitoquímica, radioimunoensaio e até mesmo ensaios com a própria luciferase tinham esse intuito. A grande vantagem na aplicação de fluorescência é que essas proteínas não precisam de substratos para emitir luz, precisam apenas de luz. 

Outra vantagem é a possibilidade de visualizar os processos celulares mantendo a célula viva. Além disso, possuem menor complexidade no preparo de amostra ou reduzida  toxicidade comparado a outros ensaios, como os  ensaios radioativos. Isso não significa que as proteínas fluorescentes substituíram completamente esses métodos citados e sim que elas fornecem uma outra via complementar para estudos científicos.

Talvez ainda não esteja claro como isso afeta diretamente nosso desenvolvimento científico, então vamos para um exemplo. Alguns animais possuem capacidade regenerativa, ou seja,  podem regenerar membros perdidos ou mesmo parte do cérebro, como é o caso do axolote (um anfíbio). Ao utilizar proteínas fluorescentes como marcadores, é possível entender melhor quais são os mecanismos moleculares da regeneração do organismo, colaborando com o avanço da medicina regenerativa.

Axolote pisando na areia embaixo d’água. Fonte: Pixabay.

Outros exemplos de aplicação desses marcadores fluorescentes são os estudos sobre doenças neurodegenerativas, desenvolvimento embrionário, entre outros. Uma técnica chamada Brainbow, uma soma das palavras Brain e Rainbow (Cérebro + Arco-íris, em inglês) permite que neurônios diferentes sejam visualizados cada qual com uma coloração. Ao fusionar genes codificantes de proteínas fluorescentes em genes que são expressos em um neurônio específico, essas células podem ser observadas através da fluorescência.

Imagem gerada através da técnica de Brainbow visualizada através de um microscópio confocal. #pracegover:  Neurônios de peixe zebrafish. expressam proteínas fluorescentes nas cores vermelho, ciano e amarelo. Fonte: Pan, 2008.

O prêmio Nobel de 2008 não foi concedido apenas pela beleza dos organismos fluorescentes que tanto nos chamam a atenção. A GFP nos possibilitou ir além. Juntas, a natureza e a engenharia genética nos permitem iluminar a resposta para algumas de nossas perguntas nas mais diversas cores. Uma pena que os gregos não perceberam o potencial das medusas antes.

Texto revisado por Tayná Costa e Bruna Lopes

Cite este artigo:
SILVA, M.C. Proteínas Fluorescentes: Da natureza para o laboratório. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, maio/2021. Disponível em: <profissaobiotec.com.br/proteinas-fluorescentes-da-natureza-para-o-laboratorio> . Acesso em: dd/mm/aaaa

Referências:
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PAN, A, 2008 Olympus BioScapes Digital Imaging Competition® (2012) CIL:41458, Danio rerio, neuron. CIL. Dataset. https://doi.org/doi:10.7295/W9CIL41458

PATTERSON, G.; DAY, R. N.; PISTON, D. Fluorescent Protein Spectra. Journal of Cell Science, v. 114, n. 5, p. 837-838, 2001.

PEREIRA, M. A. Por que os vagalumes brilham, e o que a biotecnologia pode fazer com isso? Revista Blog do Profissão Biotec. V.1 outubro/2016. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/por-que-os-vagalumes-brilham-e-o-que-a-biotecnologia-pode-fazer-com-isso/> Acesso em: 23 de Março de 2021

REMINGTON, S. J. Fluorescent proteins: maturation, photochemistry and photophysics. Current Opinion in Structural Biology, v. 16, n. 6, p. 714-721, 2006.

SHANER, N. C. et al. Improved monomeric red, orange and yellow fluorescent proteins derived from Discosoma sp. red fluorescent protein. Nature Biotechnology, v. 22, n. 12, p. 1567-1572, 2004.

TRIPTI. Bioluminescence vs Biofluorescence: The Science Of Glowing Seashores, Fluorescent Frogs, Sharks, Turtles And Parrots. Science World Report, 2017. 

ZIMMER. Green fluorescent protein: a molecular microscope. Disponível em : http://photobiology.info/Zimmer.html. Acesso em : 16/05/2021

Fonte imagem de destaque: Jeff Lichtman, 2008.

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