Os aromas fazem parte da identidade sensorial de diversos produtos. Venha conferir as vantagens da produção biotecnológica de compostos aromáticos.

Os conceitos de aroma, gosto e sabor são um pouco confundidos no uso cotidiano. Do ponto de vista científico, no entanto, existe uma diferença nas definições destes termos. O gosto é um dos cinco sentidos que fazem parte do sistema sensorial, e define a sensação percebida pelas papilas gustativas, estruturas localizadas na língua, quando estimuladas por determinadas substâncias. Ele está dividido entre cinco gostos primários, que são os gostos doce, salgado, amargo, ácido e umami.

Já os aromas são moléculas de baixo peso molecular (geralmente menores que 400 Da) que, ao se volatilizarem na temperatura ambiente, estimulam as células receptoras do epitélio olfatório da cavidade nasal, gerando uma grande quantidade de notas aromáticas. A união das percepções de gosto e aroma dão origem ao sabor específico de um determinado produto.

Os aromas são atributos de grande importância na identidade e qualidade de alimentos, bebidas e cosméticos, naturalmente presentes ou adicionados para reforçar ou melhorar a percepção sensorial de tais produtos. Eles não pertencem à uma função química específica, podendo ser ésteres, álcoois ou cetonas, dentre outros; porém, a grande maioria dos aromas pertence à classe química dos terpenos, principalmente os aromas de origem vegetal. Existem aproximadamente 6400 compostos voláteis conhecidos e 10000 compostos sintéticos.

Compostos de aroma de diferentes funções químicas e suas respectivas notas sensoriais. Fonte: Bicas et al., 2009.

Os limites de detecção (ou threshold) dos compostos aromáticos são da ordem de partes por bilhão (ppb), o que permite que essas moléculas estejam presentes em quantidades bem pequenas e, ainda assim, detectáveis pelas células receptoras. 

Em alguns alimentos, o sabor característico é formado por uma combinação complexa de diversas moléculas, como é o caso do chocolate, do café e da cerveja; em outros casos, como o da banana, uma única molécula pode ser o grande responsável pelo sabor. Nestes casos, a molécula que confere o aroma característico da matriz é chamada de “composto de impacto”.

O acetato de isoamila é o composto de impacto responsável pelo aroma da banana e também da pera. Este composto é muito usado para saborizar alimentos como balas, gelatinas e bebidas. Fonte: Wikimedia Commons.

A legislação brasileira (RDC Nº 2, de 15 de janeiro de 2007 da ANVISA) faz uma distinção clara entre aromas naturais e sintéticos. Os aromas naturais são aqueles obtidos exclusivamente por métodos físicos, microbiológicos ou enzimáticos, a partir de matérias-primas aromatizantes naturais”, e englobam os óleos essenciais, os extratos e as substâncias aromatizantes naturais isoladas.

A campanha da Heinz chamou a atenção por inverter o rótulo e colocar a lista de ingredientes no painel frontal da embalagem do ketchup. Os aromas naturais são mais aceitos pelo consumidor quando comparados aos artificiais. Fonte: EmbalagemMarca.

 Os aromatizantes sintéticos são obtidos por processos químicos, e são divididos entre aromas artificiais e aromas idênticos ao natural. Os aromas artificiais são obtidos por síntese química de substâncias que ainda não tenham sido identificados em produtos de origem animal, vegetal ou microbiana.

Já os aromas idênticos ao natural são obtidos por síntese ou isoladas por processos químicos, a partir de matérias primas de origem animal, vegetal ou microbiana que apresentam uma estrutura química idêntica às substâncias presentes nas referidas matérias-primas naturais.

Aproximadamente 90% dos aromas disponíveis atualmente são artificiais e a informação “artificial” na embalagem do produto muitas vezes diminui o apelo mercadológico ao afastar o consumidor mais seletivo. A crescente demanda do mercado consumidor por ingredientes mais naturais vem trazendo uma mudança considerável, por exemplo, no mercado europeu a maioria dos alimentos disponíveis possuem corantes naturais Na Alemanha, essa proporção é aproximadamente dois terços, e tal tendência aos poucos está chegando no Brasil também.

Isso tudo nos leva ao próximo tópico: quais são as formas de produção dos corantes, qual a mais promissora e por que é a via biotecnológica?

Vias de obtenção de compostos aromáticos

Os compostos aromáticos podem ser obtidos por três vias principais: extração diretamente da natureza, transformações químicas ou pela via biotecnológica (transformações microbianas ou enzimáticas). A técnica de extração da natureza, principalmente de vegetais, apresenta algumas desvantagens, como baixo rendimento, a dependência da sazonalidade da matéria-prima, variações no padrão do produto final e possíveis problemas ambientais oriundos do extrativismo.

A síntese química surgiu como uma forma de contornar os problemas de rendimento que a extração possui. Porém, ela possui algumas desvantagens, principalmente, em relação a geração e ao descarte de resíduos, advindos da utilização de solventes orgânicos e da baixa seletividade da reação, que acabam gerando outros produtos além dos aromas. Outro entrave é a necessidade de etapas adicionais de purificação mais refinadas. Os aromas obtidos pela via química devem obrigatoriamente rotulados como “artificial”.

Os bioaromas surgem como uma alternativa para a produção de aromas classificados como naturais, que não seja tão cara quanto a extração. Além disso, devido à alta seletividade de reações enzimáticas, a geração de resíduos é bem menor, quando comparada a síntese química. Uma terceira vantagem desse processo é que certos compostos somente são possíveis de serem sintetizados por via biotecnológica.

Os processos biotecnológicos para produção de aromas podem ser por meio da síntese “de novo, na qual os aromas são os produtos de uma série de reações das vias metabólicas de uma célula viva, ou por meio de biotransformações, em que um substrato é modificado por um biocatalisador (enzima ou micro-organismo) em uma (ou poucas) reações.

Um exemplo muito bom para ilustrar as vantagens da produção biotecnológica de aromas é o do composto vanilina, que confere o aroma de baunilha. Na via de extração direta da natureza, para se produzir 1 kg de vanilina são necessários 500 kg de favas da orquídea Vanilla planifolia, e o processo de obtenção desde a polinização manual das flores para obtenção da fava e  a extração pode levar até dois anos.

A produção de vanilina por meio da síntese química leva a um aumento sensível do rendimento, e a uma diminuição muito desejável do custo de produção; porém, gera cerca de 160 kg de resíduos por quilo de vanilina produzida, tornando-o  um processo não sustentável do ponto de vista ambiental. 

Por outro lado, a produção biotecnológica, ainda que mais cara que a produção quimiossintética, apresenta uma grande redução do custo quando comparada à extração, com a vantagem de não gerar tantos resíduos.

Comparação do preço por quilograma de aromas produzidos por diferentes tecnologias:

AromaExtraçãoSíntese químicaVia biotecnológica
VanilinaUS$ 1200-1400 / kgUS$ 15 / kgUS$ 1000 / kg
γ – DecalactonaUS$ 6000 / kgUS$ 150 / kgUS$ 300 / kg
Butirato de etilaUS$ 5000 / kgUS$ 4 / kgUS$ 180 / kg
Fonte: Coelho & Ribeiro, 2015.

Utilização de subprodutos agroindustriais na produção de aromas

As pesquisas mais recentes têm explorado a utilização de resíduos agroindustriais para a produção de aromas, como uma forma de redução do custo. A casca da laranja, por exemplo, é um subproduto extremamente abundante no Brasil (são gerados mais de 4 milhões de toneladas por ano), uma vez que, o país é o principal produtor desta fruta cítrica. A maior parte da laranja produzida vai para a fabricação de suco e sua casca,  rica em óleos essenciais como o  limoneno, pode ser utilizada para produção de aromas. 

O limoneno (R-(+)-limoneno) é um monoterpeno monocíclico obtido em grandes quantidades a baixo custo (aproximadamente 50 mil toneladas de R-(+)-limoneno são recuperadas ao ano como subproduto da indústria cítrica mundial, a US$ 1–2/kg). Por meio das biotransformações, o limoneno é utilizado como substrato precursor de diversos aromas, como α-terpineol, álcool perílico, carveol, carvona e mentol. 

Atualmente, o grande desafio da produção de aromas em escala industrial é a expressão de enzimas régiosseletivas e estereosseletivas em altos níveis em linhagens hospedeiras seguras, e o desenvolvimento de técnicas de extração compatíveis com o apelo natural dos compostos de aroma.

E você, tem o costume de ler os rótulos dos alimentos que consome? Será que na sua dispensa tem mais alimentos com aromas naturais ou artificiais? Deixa a gente saber aqui nos comentários! 🙂 

Texto revisado por Bianca Chaves e Luana Lobo
REFERÊNCIAS:
Aditivos e Ingredientes. Produção biotécnica de aromas. Disponível em <https://aditivosingredientes.com.br/upload_arquivos/201601/2016010588347001454074218.pdf>.
Agência USP de notícias. Bioaroma é alternativa para aromatizante sintético. Disponível em <http://www.usp.br/agen/?p=39927>.
Bicas, J. L. Estudos de obtenção de bioaromas pela biotransformação de compostos terpênicos. Tese apresentada à Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção de título de Doutor em Ciência de Alimentos. Campinas, 2009.
Coelho, M. A. Z.; Ribeiro, B. D. White Biotechnology for Sustainable Chemistry. 1. Ed. Royal Society of Chemistry, 2016.
Lachos-Perez et al. Sequential subcritical water process applied to orange peel for the recovery flavanones and sugars. The Journal of Supercritical Fluids vol. 160. 2020.
Maróstica Júnior et al. Biotransformação de limoneno: uma revisão das principais rotas metabólicas. Quím. Nova vol.30 no.2. São Paulo Mar./Abr. 2007.

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