A inteligência artificial tem proporcionado “viagens no tempo” aos cientistas que buscam descobrir novos potenciais antibióticos para tratamento de infecções.

A persistência bacteriana

Já pensou como seria sua vida se não houvesse remédios, como os antibióticos, para curar aquela dor de garganta?

Quanto mais o tempo passa e a civilização avança, as infecções bacterianas aumentam, ainda mais aquelas que resistem aos antibióticos de que dispomos. A penicilina já não dá mais conta há muito tempo. Especialmente em relação ao grupo de bactérias resistentes, o ESKAPE, que cresce cada vez mais.

O acrônimo ESKAPE se refere as bactérias Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter spp que, além de resistentes, podem causar a morte e sepse de vários pacientes. Já não temos as melhores previsões até 2050, por isso é importante buscar mais alternativas de tratamento contra essas infecções.

Mas e se a resposta para novos métodos de tratamento estivesse no passado? 

Com o advento da bioinformática as chances de encontrar novas formas de tratamento ficaram mais palpáveis. Através da utilização de algoritmos genéticos, redes neurais, diversas formas de inteligência artificial e mineração de dados. A mineração de dados é um tipo de análise que explora grandes conjuntos de dados a fim de organizá-los para a descoberta de novos padrões e relacionamentos ocultos.

Como esse tipo de prática também pode ser efetuado pela biologia computacional, pesquisadores têm buscado realizar a mineração de dados de diversos organismos vivos, bem como das diversas áreas da microbiologia e genética. 

Nesse sentido, a computação pode nos proporcionar viagens no tempo e (digo mais) podemos organizar esses dados e criar simulações de situações que antes existiam apenas  em teorias. Portanto, a mineração de dados biológicos pode ser utilizada como uma nova forma de bioprospecção na busca de alternativas de tratamento de doenças causadas pelas temidas bactérias ESKAPE.

Descobertas da Biologia Computacional

Uma das alternativas para o tratamento de infecções resistentes tem sido a utilização de pedaços de proteínas conhecidos como peptídeos. Especificamente os peptídeos antimicrobianos (PAMs), geralmente com um tamanho entre 10 e 50 resíduos de aminoácidos (moléculas que compõem as proteínas). Os PAMs possuem diversidade estrutural e amplo espectro de atividades contra cepas bacterianas, além de serem encontrados em todos os organismos vivos. Existem diversas formas de sintetizar esses peptídeos, podendo ser a partir da extração de venenos de artrópodes (insetos, aracnídeos entre outros) e serpentes; da utilização de plantas medicinais e de células animais.

Nesse contexto, a incorporação da computação tem sido cada vez mais difundida, uma vez que o tempo de descoberta de novas moléculas pode ser reduzido. Por isso, diversos grupos de pesquisa em bioinformática e biologia computacional buscam e desenvolvem diferentes tipos de algoritmos que possam predizer potenciais PAMs

A exemplo do Alphafold2, o mais refinado algoritmo desenvolvido, funciona à base de inteligência artificial (IA) e pode predizer a estrutura de um peptídeo/proteína com apenas o input (entrada de dados) da sequência de interesse. Outras metodologias computacionais foram incorporadas na busca por essa bioprospecção in silico (totalmente computacional).

Nesse contexto, grupos de pesquisa estão utilizando a IA e outras estratégias de machine learning (ML), na busca de novos PAMs nos genomas de várias espécies. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia (Penn) realizaram a mineração do proteoma (conjunto de informações sobre as proteínas de algum organismo) humano através da utilização da metodologia de ML. E sim, eles encontraram e sintetizaram PAMs que foram ativos contra cepas bacterianas resistentes! 

Partindo dessa premissa, de achar a resposta em nosso proteoma, será que poderíamos então buscar mais informações e possíveis candidatos em proteomas antigos?

A máquina do tempo

Se você é um millennial (nascido entre 1981 e 1995) como eu, certamente presenciou um dos momentos mais tensos do cinema, no qual o velociraptor pula na mesa para atacar crianças. Sim, eu estou falando Jurassic Park, um dos filmes mais incríveis já feitos em uma época sem imagens geradas por computador (CGI, do inglês, Computer Graphic Imagery) muito utilizado pela Marvel. A sinopse do filme diz que “através do DNA preservado em âmbar os cientistas conseguem ressuscitar os dinossauros”.

E se conseguíssemos isso hoje para os PAMs? Foi o que um grupo de pesquisadores se propôs a fazer. Combinando a utilização da metodologia de ML eles desenvolveram o algoritmo panCleave

Com esse software eles conseguiram realizar a mineração no proteoma de espécies antigas (humano, no caso) em busca de PAMs codificados. O que o panCleave faz é procurar por locais que possam ser clivados a partir de pan-proteases (enzimas digestivas), ou seja é realizada uma proteólise computacional nas sequências até que se encontrem proteínas humanas fragmentadas em peptídeos.

Personagem Martin McFly (Michael J. Fox) impressionado. #ParaTodosVerem: imagem de conteúdo com animação do filme “De volta pro futuro”, na qual se encontram o protagonista Martin McFly tirando os óculos de aviador com espanto, dizendo WHOA. Fonte: GIFDB.

Nesse trabalho, os pesquisadores buscaram sequências que geralmente são fragmentadas por proteases, uma vez que elas pertencem a grupos específicos de proteínas. Em seguida é realizada a predição de clivagem dessas proteínas em pequenos peptídeos. O panCleave funciona a partir de inserção e utilização do ML, o qual aprendeu a selecionar quais os padrões que sequências de PAMs seriam de interesse, passando por todo um treinamento e acurácia.

Dessa forma, esses pesquisadores conseguiram explorar o paleoproteoma (paleoproteomics é o estudo de proteínas antigas) das espécies Neandertais e Denisovanos de humanos antigos e descobriram peptídeos criptografados dentro de grupos de proteínas antimicrobianas. Em seguida, eles testaram esses PAMs e constataram que os fragmentos gerados pelo panCleave apresentaram resistência à proteólise e atividades contra membranas bacterianas. Esses indicadores são valiosos ao desenvolvermos um possível fármaco.

ESKAPE com os dias contados

É muito bom saber que estratégias como essas estão sendo possíveis de serem concretizadas. Mas ainda há muito o que se entender e analisar, como os testes de terceira fase em humanos, a rejeição ao antibiótico pelo paciente ou até mesmo a indução de resistência que ainda são etapas que precisam ser realizadas. 

Com o auxílio da inteligência artificial poderemos ampliar ainda mais esse espectro de descobertas, bem como realizar simulações ainda mais complexas na tentativa de acelerar o desenvolvimento de novos fármacos que possam combater não apenas o ESKAPE, mas outras doenças que também assolam o sistema público de saúde. Pequenos passos que nos levarão a grandes descobertas! 

Texto revisado por Natália Lopes e Bruna Lopes

Cite este artigo:
REZENDE, S. B. Back to the future: a bioinformática e o combate as bactérias resistentes.  Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/bioinformatico-combate-bacterias-resistentes>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

 REFERÊNCIAS

AI vs. Superbugs: Artificial Intelligence and the Search for New Antibiotics Disponível em: https://www.sciencehistory.org/visit/events/ai-vs-superbugs-artificial-intelligence-and-the-search-for-new-antibiotics/.Acesso em 18/12/2023.
JUMPER, J.; EVANS, R.; PRITZEL, A.; GREEN, T. et al. Highly accurate protein structure prediction with AlphaFold. Nature, 596, n. 7873, p. 583-589, 2021. 
MAASCH, J. R.; TORRES, M. D.; MELO, M. C.; DE LA FUENTE-NUNEZ, C. Molecular de-extinction of ancient antimicrobial peptides enabled by machine learning. Cell Host & Microbe, 31, n. 8, p. 1260-1274. e1266, 2023. 
MURRAY, C. J.; IKUTA, K. S.; SHARARA, F.; SWETSCHINSKI, L. et al. Global burden of bacterial antimicrobial resistance in 2019: a systematic analysis. The Lancet, 399, n. 10325, p. 629-655, 2022. 
TORRES, M. D.; MELO, M. C.; FLOWERS, L.; CRESCENZI, O. et al. Mining for encrypted peptide antibiotics in the human proteome. Nature Biomedical Engineering, 6, n. 1, p. 67-75, 2022.

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