A utilização de vermes e larvas para a degradação de plásticos não sustentáveis pode ser a resposta para o combate à poluição.

Recentemente, o filme DUNA 2 foi lançado e tem sido aclamado como uma obra-prima. Ele foi dirigido por Denis Villeneuve e ilustra a história concebida por Frank Herbert em 1965. O livro foi elogiado pela crítica da época e obteve o recorde como um dos livros de ficção mais vendidos no mundo. 

DUNA se passa em um planeta que possui apenas desertos e que aparentemente não poderia oferecer o florescer da vida como a conhecemos. O planeta é governado por vermes gigantes, os “Shai-Hulud”, que convivem com a iminente exploração da especiaria “Melange”, o combustível para as viagens espaciais. 

DUNA também trabalha a importância da ecologia, biologia e sustentabilidade, ao destacar o povo “Fremen”, uma tribo que consegue sobreviver nesse ambiente hostil reciclando o máximo de água que podem.  

Sendo a água tão importante para eles quanto a Melange  é para os outros “humanos”, pois permite a navegação nas explorações espaciais … hummm será que já não ouvimos essa história antes?

Acúmulo de plástico, lixo ou melange?

Um dos maiores desafios hoje em termos de sustentabilidade é encontrar um destino para o acúmulo de plásticos. Nos últimos 70 anos, 8.300 milhões de toneladas de materiais plásticos foram fabricados. Desses, 2.500 toneladas ainda estão em uso e apenas 6% dessa produção foi reciclada.

Plásticos compostos por polietileno (PE), polipropileno (PP), poliestireno (PS) e cloreto de polivinila (PVC) são os mais utilizados. O PE é o mais resistente entre eles, pois é um polímero que contém longas cadeias de carbono organizadas em cristais, resultando em uma estrutura mais enrijecida que dificulta a sua degradação.

Devido a essa resistência à degradação, o acúmulo de plástico tem atingido ambientes marinhos e terrestres, ameaçando ecossistemas e a saúde humana. Nesse sentido, a biodegradação, a reciclagem química e o processo mecânico têm se destacado como as mais novas alternativas sustentáveis, agregando valor econômico e movimentando a economia.  A utilização de organismos  que podem degradar  material sintético por meio  do seu metabolismo, particularmente pela ação das suas enzimas e sua microbiota, é promissora, estrelando como protagonistas certos vermes e larvas.

Mas o que tudo isso tem a ver com a Biotecnologia?

Apesar da utilização de minhocas para degradar microplásticos ter ganhado notoriedade, elas apresentam certa intolerância aos plásticos, sendo alguns até mesmo tóxicos, o que dificulta a utilização desses organismos em larga escala. A complexidade dos materiais plásticos é outra barreira a ser ultrapassada.

Minhocas

Minhocas são conhecidas por agilizar o trabalho de fragmentação da matéria orgânica nos solos, facilitando a decomposição. Também contribuem para a produção de húmus, enriquecendo assim o solo e diminuindo a quantidade de lixo. Elas podem ser utilizadas em jardins, quintais e até aterros. Fonte: Minhocas Crédito da foto: Julian Zwengel. #ParaTodosVerem: imagem de uma minhoca rastejando pelo solo. 

Um trabalho interessante buscou identificar micro-organismos na microbiota intestinal do verme Zophobas atratus, também conhecido como verme mastigador de plástico. Os pesquisadores estabeleceram uma dieta baseada em plásticos PP, PS e polietileno de alta densidade (HDPS) e monitoraram o desenvolvimento da microbiota do verme. 

Dessa forma, constataram que a população de bactérias responsáveis pela degradação dos plásticos no intestino do verme aumentou e se diversificou, enriquecendo o potencial desses organismos degradadores.  No futuro, essas bactérias poderão ser utilizadas para a construção de biorreatores que realizam todo o bioprocesso de biodegradação de plásticos.

Traça da cera

Traça da cera degradando plástico em temperatura ambiente e pH neutro. Fonte: https://mashable.com/article/plastic-caterpillar. Crédito da foto: César Hernández/CSIC_Gusanos. #ParaTodosVerem: imagem de uma mão segurando um saco plástico branco contendo larva de traça-da-cera, conhecida por digerir plástico. 

As larvas da traça-da-cera, Galleria mellonella, são capazes de degradar plásticos PE com uma hora de exposição, sendo o agente biológico mais rápido a modificar a estrutura química desse material. Essa larva possui em sua saliva enzimas e proteases (proteínas que destroem outras) que são capazes de degradar plásticos PE em pouco tempo à temperatura ambiente. As proteases identificadas na larva da traça-da-cera são as  primeiras a serem reportadas como capazes de atacar PE sem a necessidade de tratamento prévio. Essas proteases, nomeadas como PEases e também conhecidas como DEMETRA e CERES, são uma alternativa promissora para a degradação biológica de PE, revolucionando assim a área de biorremediação. 

Os desafios da sustentabilidade

Todas essas estratégias são muito promissoras e ao mesmo tempo desafiadoras. A utilização de microrganismos e vermes necessita de diversos experimentos para garantir a sua eficácia. Afinal, estamos utilizando seres vivos e cada um deles pode se comportar de uma forma: na produção de saliva carregada de proteases; na diversidade da microbiota; ou na resistência a certos tipos de plásticos que podem ser tóxicos.

Além disso, plásticos biodegradáveis (como celulose, amido e ácido polilático) são frequentemente misturados com materiais não degradáveis. Assim, a degradação desses bioplásticos deixa micropartículas de plásticos não degradáveis no ambiente, contribuindo para o problema. Aliás, o acúmulo de microplásticos tanto na atmosfera quanto em nós mesmos é uma realidade.

Dessa forma, uma solução mais plausível seria a utilização de biodegradáveis que pudessem ser degradados em CO2, água e energia, sem o perigo de deixar resíduos no ambiente. Assim, poderíamos usar as minhocas, larvas e vermes de forma mais disseminada. Outra alternativa é facilitar a degradação para os vermes ao realizar um pré-tratamento nesses plásticos a fim de enfraquecer suas cadeias de carbono, tornando mais fácil a degradação por sua saliva.

Na natureza…

“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”

Antoine-Laurent de Lavoisier.

Em DUNA, os “Fremen” conseguiram sobreviver com a utilização do “trajestilador” (traje utilizado para conservação de água), capaz de transformar o suor e outras excretas em água potável. A Ciência real possui também diversas ferramentas para continuar pesquisas em busca de transformar o sintético em biológico. Portanto, é imprescindível que as pesquisas continuem a fim de encontrar alternativas mais plausíveis e aplicáveis. As alterações climáticas já não fazem mais parte do imaginário popular ou contos de ficção e o mundo está perecendo com o descaso dos humanos. Que no final, quem sabe, poderão ser salvos pelos vermes…

Perfil de Samilla

Texto revisado por Natália Lopes e Elaine Latocheski

Cite este artigo:
REZENDE, S. B. Entre dunas: os vermes e a biodegradação. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/entre-dunas-os-vermes-e-a-biodegradacao/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

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KHALDOON, S.; LALUNG, J.; MAHEER, U.; KAMARUDDIN, M. A. et al. A review on the role of earthworms in plastics degradation: Issues and challenges. Polymers, 14, n. 21, p. 4770, 2022. 
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RITCHIE, H.; ROSER, M. Plastic pollution. Published online at OurWorldInData. org.  2018. 
SANLUIS-VERDES, A.; COLOMER-VIDAL, P.; RODRIGUEZ-VENTURA, F.; BELLO-VILLARINO, M. et al. Wax worm saliva and the enzymes therein are the key to polyethylene degradation by Galleria mellonella. Nature Communications, 13, n. 1, p. 1-11, 2022.
Fonte da imagem destacada: Unsplash.

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