Pão, vinho e queijos… é bem claro que os franceses sempre utilizaram muito a biotecnologia! Mas além dessas delícias, a França sabe bem como empregar e desenvolver essa área.
A França é um prato cheio: diversas cidades turísticas belíssimas com uma gastronomia apreciada. E para o biotecnologista, também! Isso porque a biotecnologia tem ganhado destaque e investimentos tanto na academia quanto na indústria.
Esse texto faz parte da série Biotecnologia pelo Mundo.
Bioeconomia da França
Sendo o terceiro país com mais empresas de biotec da Europa, atrás apenas do Reino Unido e Alemanha, são cerca de 400 companhias com 6.000 funcionários, das quais mais da metade atua no setor de pesquisa e desenvolvimento, conforme informações reunidas pelo Campus France.
O ramo da saúde (biotecnologia vermelha) é o mais desenvolvido e estabelecido, embora o ambiental, agrícola e alimentício tenham apresentado um bom crescimento ao longo dos últimos anos. Os setores energético, químico e de materiais também são importantes, considerando o panorama europeu de alta dependência de importação energética.
Com a situação atual de mudanças climáticas, a França elaborou o “Une stratégie bioéconomie pour la France” um documento com planejamento e metas relacionadas à bioeconomia, visando criar um modelo sustentável e circular. Dentre muitos objetivos, destaca-se o aumento da produção de biogás, biocombustível e bioprodutos usados como intermediários industriais.
A mudança de legislação europeia, restringiu o uso de fertilizantes químicos e sintéticos, estabelecendo a meta de 50% de redução do uso de agrotóxicos até 2050. Isso também promete acarretar maiores demandas para a biotec agrícola, através da elaboração de biofertilizantes menos tóxicos para todo o ecossistema.
Assim, atualmente, o governo francês estabeleceu que a maior prioridade de pesquisa em biotecnologia deve ser para as áreas agrícolas e energéticas, focando, por exemplo, em seleção de plantas e animais, na geração de biomassa de fontes marinhas, e no uso de carbono renovável para geração de energia.
O palco da biotecnologia vermelha
Conforme o relatório Partnering 2030: The Biotech Perspective 2023 Inpart, de 2022 para 2023 surgiram 20 novas empresas francesas de biotecnologia focadas em saúde, das quais 25% é especializada em oncologia, e 21% voltada para doenças raras. A maioria consiste em start-ups, que encontram, consequentemente, desafios sobretudo de financiamento.
Um diferencial da indústria biotecnológica francesa é o foco em doenças raras. A empresa Amolyt Pharma, recentemente comprada pela AstraZeneca, está desenvolvendo um tratamento promissor para hipoparatireoidismo, denominado Eneboparatide. O medicamento tem o intuito de normalizar os níveis de cálcio dos pacientes, sem comprometer os rins ou causar suplementação excessiva desse mineral.
Outro exemplo é o da Sanofi, que adquiriu a Inhibrix, também do ramo biotecnológico-farmacêutico. Elas atuam criando uma terapia para a deficiência na antiprotease alfa-1 antitripsina (AAT), causada por diferentes mutações no gene SERPINA1. Esse distúrbio genético provoca uma condição rara que afeta os pulmões e o fígado. O INBRIX-101, ainda em fase 2 de testes clínicos (com algumas centenas de pacientes), é uma proteína recombinante humana que visa normalizar o nível de AAT a partir de doses ministradas mensalmente, proporcionando uma melhor qualidade de vida ao paciente.
O relatório Partnering 2030 também apontou que o desenvolvimento de pequenas moléculas (44%), proteínas/anticorpos (34%) e terapia gênica (20%) são os principais focos da biotec vermelha francesa.
Esses casos podem ser atrelados como consequências do plano nacional francês “Plan Santé 2030”, que aloca 7,5 milhões de euros na área de saúde, com intuito de revitalizar a indústria e promover inovações. Diversos são os campos beneficiados, como saúde digital, bioterapias e, claro, a biotecnologia, através da facilitação de processos administrativos, financiamento de startups e valorização da mão de obra qualificada.
Cidades destaque
São diversas as cidades que oferecem oportunidades em biotecnologia, espalhadas por todo o território francês. Esse site possui um mapa interativo que permite visualizar a distribuição de empresas, proporcionando uma fácil identificação de pólos biotec na França!
Segundo o Chambre de Commerce et d’Industrie (CCI) são 7 concentrações principais: Lyon Biopôle, Medicen, Alsace Biovalley, Atlantic Biotherapies, Cancer Bio Santé, Eurobiomed e Nutrition Santé Longévité.
Paris
Capital francesa, Paris conta com aproximadamente 2 milhões de habitantes. A cidade pulsa arte, cultura, gastronomia, arquitetura e…biotecnologia!
Há grande abundância de cursos superiores em universidades renomadas e de empresas de biotec na região metropolitana da cidade luz.
Destaque para o Genopole, um hub de inovação próximo a Paris que reúne 87 empresas de biotec e 17 laboratórios acadêmicos de pesquisa, empregando 2.400 pessoas na área de P&DI (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação). Nele, são desenvolvidos projetos relacionados a setores-chave da indústria, como genômica, biologia celular e terapia gênica. Ele também possui programas de incentivo a startups, oferecendo mentorias e investimentos iniciais para as empresas selecionadas.
Genopole, França. #ParaTodosVerem: edifício branco retangular recém construído, com vidros espelhados. Fonte: Genopole.
Lyon
Lyon está localizada perto da fronteira com a Suiça, no sudeste francês, com aproximadamente 513.000 habitantes, sendo a terceira maior cidade francesa.
Ela é também o segundo maior polo biotecnológico e econômico da França, com alta concentração de empresas e universidades. Estima-se que sejam cerca de 9.000 pesquisadores em ciências da vida, sendo 1.100 especializados em biotecnologia e 171 empresas no setor da saúde. A cidade ganha destaque como centro mundial produtor de vacinas.
Ademais, o hub de inovação Bioparc de Lyon consiste num espaço de 40.000 m2 no centro de Lyon para startups iniciantes e empresas maduras nacionais e internacionais, proporcionando alta infraestrutura com laboratórios e escritórios para o desenvolvimento de diversos projetos em biotecnologia.
Estrasburgo
Na famosa Alsácia-Lorena, Estrasburgo é uma cidade charmosa na fronteira com a Alemanha, com cerca de 287.000 habitantes.
Próximo a ela, está localizado o Alsace Biovalley, um hub de inovação em biotec focado no desenvolvimento de terapias, tratamentos e medicamentos. Ele é composto por 155 instituições, abrigando pequenas e grandes empresas, startups e laboratórios de pesquisa com ótima infraestrutura e networking. É um importante cluster de biotecnologia para a Europa, sobretudo na integração França-Alemanha-Suíça.
Instituições de estudo
A França proporciona diferentes níveis de educação superior relacionados à biotecnologia. Há uma abundância, desde programas de graduação em engenharia biotecnológica, até pós-graduações – seja mestrado ou doutorado – focadas em biotecnologia farmacêutica, biologia molecular, microbiologia, biologia celular, etc.
Além dessa diversidade de subáreas, existe também uma ampla gama de universidades públicas e particulares muito prestigiadas mundialmente que oferecem esses programas, distribuídas por toda a França. São algumas delas:
- Université Paris-Saclay
- Université Paris Cité
- Sorbonne Université
- Université de Strasbourg
- Aix-Marseille Université
- Université de Montpellier
- Université Grenoble Alpes
- Université Claude Bernard Lyon 1
Campus Orsay da Université Paris-Saclay. #ParaTodosVerem: edifício grande, retangular, branco com diversas janelas, cercado por demais prédios menores do campus. Fonte: Université Paris-Saclay
Uma curiosidade interessante é as abordagens serem bem distintas conforme as instituições. As faculdades privadas costumam proporcionar uma visão mais voltada para o empreendedorismo científico e aplicada diretamente ao mercado, enquanto as instituições públicas priorizam a pesquisa acadêmica. Apesar disso, a integração academia-indústria é notável, pois mais de 50% das empresas de biotecnologia francesas são derivadas a partir de projetos de pesquisa acadêmicos, conforme o CCI.
É importante ressaltar que a experiência de graduação e pós-graduação apresentam tanto diferenças quanto semelhanças ao serem comparadas às brasileiras. O mestrado francês, por exemplo, apesar de ter 2 anos de duração, possui maior foco em aulas do que na atuação prática em bancada e defesa de uma dissertação própria, ao contrário do que ocorre no Brasil. O doutorado, por sua vez, é estruturalmente mais parecido com o brasileiro.
Quem gerencia as inscrições e candidaturas para pós-graduação na França é a plataforma Campus France.
Por fim, é possível perceber que a França é um país atraente para a biotecnologia, sobretudo na área da saúde, proporcionando não apenas cursos de formações superiores, como também mercado de trabalho. Porém, com as atuais questões climáticas e ambientais, acredita-se numa tendência de crescimento de demais ramos, sobretudo o agrícola e o energético. Vale ressaltar que, como qualquer país, ela também enfrenta desafios, muito relacionados a financiamentos e necessidade de mão de obra qualificada.
Texto revisado por Bruna Cardias e Bruna Lopes
Cite este artigo:
ROCHA, V. S. Série Biotecnologia pelo mundo: França. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/serie-biotecnologia-pelo-mundo-franca>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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Biotech in France : Public Initiatives Available To international Companies. Disponível em: <https://invest-hub.org/news/biotech-in-france-the-public-initiatives-available-to-international-companies>. Acesso em: 5 ago. 2024.
CAMELIER, A. A. et al. Deficiência de alfa-1 antitripsina: diagnóstico e tratamento. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 34, n. 7, p. 514–527, jul. 2008.
CORTIER, D. BIOPARC (Lyon 8) : un projet qui touche bientôt à sa fin. Groupe SERL, 31 maio 2022. Disponível em: <https://groupe-serl.fr/groupe-serl/bioparc-lyon-8-un-projet-qui-touche-bientot-a-sa-fin/>. Acesso em: 5 ago. 2024.
Lyon : carte d’identité | Ville de Lyon. Disponível em: <https://www.lyon.fr/decouvrir-lyon/portrait-dune-ville/lyon-carte-didentite>. Acesso em: 5 ago. 2024.
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