Imagine a cena: na frente de um laboratório com as portas trancadas, dois seguranças estão de pé, completamente uniformizados e portando armas enormes para proteger as amostras biológicas e os experimentos realizados naquele local. Será que essa é a tal da biossegurança?
Nessa situação, os pesquisadores e as suas experiências estão definitivamente seguras. Porém, a biossegurança trata de um assunto completamente diferente. Neste texto não falaremos de seguranças armados, mas sim de como as práticas de biossegurança visam a proteção e a prevenção de danos, e como elas são aplicáveis no nosso cotidiano.
O que é a biossegurança?
Depois do exemplo hipotético excêntrico sobre o que não seria a biossegurança, podemos entender o que é, de fato, essa área do conhecimento. Segundo o Manual de Biossegurança de Hirata, a biossegurança é “a ciência voltada para o controle e a minimização de riscos advindos da prática de diferentes tecnologias, seja em laboratórios, em biotérios ou no meio ambiente”. Apesar de simples, esta definição traz um aspecto central da biossegurança: a prevenção de riscos.
Quando falamos de risco, nos referimos à possibilidade de ocorrer qualquer tipo de dano que afete a saúde humana, animal ou o meio ambiente. Portanto, a biossegurança não se restringe apenas aos laboratórios, mas apresenta um enfoque fundamental de proteção de toda a sociedade.
Uma vez que os custos associados à proteção e prevenção são consideravelmente menores do que os associados a acidentes, a biossegurança possui um conjunto de normas, leis e regulamentações para assegurar a redução dos riscos. A avaliação desses potenciais riscos é categorizada em níveis crescentes, que requerem medidas protetoras cada vez mais rigorosas . Essas categorias são chamadas de níveis de biossegurança, que vão do nível 1 (de risco mínimo) até o nível 4 (o risco máximo). Você pode conferir este outro texto do Profissão Biotec que aborda profundamente os níveis de biossegurança!
Para que a biossegurança serve?
As boas práticas laboratoriais estão intimamente conectadas com a biossegurança. O uso de luvas e jaleco, por exemplo, são equipamentos de proteção individual (EPI) essenciais para o manuseio correto de agentes biológicos e reagentes químicos. Outro exemplo de aplicação das normas de biossegurança é a regulamentação de produtos oriundos de organismos geneticamente modificados (OGMs), que apresentam leis e normas específicas que garantem a qualidade e a segurança desses produtos. Se quiser saber mais sobre os OGMs, leia nosso conteúdo desmistificando os OGMS!
Todavia, a biossegurança não está presente apenas nos laboratórios de pesquisa. O rótulo de identificação de produtos alimentícios ou de limpeza de nossas casas, assim como o armazenamento correto dos produtos em despensas e armários específicos são ótimos exemplos de métodos de prevenção de riscos, ou seja, são práticas de biossegurança que empregamos no nosso dia a dia!
Também podemos citar outras condutas de biossegurança difundidas com o estabelecimento da pandemia do COVID-19, causada pelo SARS-CoV-2, como as normas que os cientistas utilizavam para conduzir as pesquisas sem se contaminar. As máscaras, por exemplo, são um EPI! Além disso, a higienização das mãos com álcool 70% em gel e demais hábitos são, em essência, normas de biossegurança que começamos a aplicar rotineiramente nos últimos anos.
Quais tipos de risco existem?
Até aqui, comentamos bastante sobre as medidas de biossegurança que visam a prevenção de riscos. Mas, quais riscos a biossegurança quer prevenir exatamente? O Manual de Hirata indica cinco tipos de riscos, que são:
- Físicos: Trata dos riscos relacionados a algum tipo de energia, como temperatura, vibrações, ruídos, radiações e pressões anormais. Estes riscos podem causar sensações de mal-estar, queimaduras e irritações. Podemos citar alguns equipamentos que apresentam riscos físicos como: estufas, forno de micro-ondas, fogão a gás e freezers.
- Biológicos: Referem-se aos riscos provenientes de experimentos com seres vivos e amostras biológicas, como os OGMs, transgênicos e produtos feitos a partir da tecnologia do DNA recombinante. Exemplos cotidianos que apresentam este risco são as secreções humanas ou de animais, que podem ocasionar em doenças e infecções.
- Químicos: Esta classe de risco inclui contaminantes do ar, substâncias tóxicas, explosivas, irritantes, nocivas, corrosivas, inflamáveis, entre outros agentes químicos líquidos, sólidos ou gasosos. Estes riscos são especialmente perigosos em laboratórios, pois podem causar queimaduras, irritações e doenças graves. Porém, este risco também está presente no nosso dia a dia, e exemplos habituais incluem: fumaça de cigarro, etanol, soda cáustica e produtos desinfetantes com amônio.
- Ergonômicos: Relacionados com as condições do trabalho, os riscos ergonômicos visam proteger o indivíduo de lesões por esforço repetitivo (LER), tendinites, problemas de coluna e enfermidades afins. Os exemplos de locais com potencial risco ergonômico são mesas ou bancadas com altura inadequada, posição imprópria de teclado/monitores e locais de trabalho com circulação obstruída.
- Acidentes: Este risco refere-se a uma diversidade de situações possivelmente perigosas, que podem ocasionar incêndios, ferimentos, choque e até morte. Exemplos de geradores de acidentes são equipamentos de vidro, engrenagens, redes elétricas e armazenamento impróprio de objetos e substâncias.
Vale notar que a classificação e identificação de risco é um processo dinâmico, e deve ser avaliado de maneira frequente para garantir a segurança de todos. Para tal, existem três etapas de avaliação de qualquer risco: 1ª) Identificação do potencial de exposição; 2ª) Caracterização do risco, como perigos e grupo de risco e 3ª) Mitigação do risco, que inclui estratégias de biossegurança para contenção e controle.
Fazendo um mapa de risco
Com o conhecimento dos tipos de riscos, assim como a investigação de todas as potenciais ameaças do ambiente, é possível criar uma representação gráfica que enumere estes riscos de maneira informativa. Isto é chamado de mapa de risco, e tem o objetivo de conscientizar os indivíduos para minimizar eventuais acidentes.
O mapeamento de risco é feito por órgãos específicos, como a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), que fazem a avaliação e comprovação dos mapas. Porém, o mapeamento é um processo simples e não é aplicável apenas para os laboratórios de pesquisa. A imagem abaixo, por exemplo, mostra o mapa de risco para um ambiente bem corriqueiro: uma cozinha!
Portanto, esse conceito de biossegurança pode ser adaptado no contexto de nossas vidas, a fim de trazer um elemento de segurança e proteção. Para fazer o seu próprio mapa de risco, basta seguir os seguintes passos:
1º) Escolher um local para analisar e fazer o esboço da planta. Anote a mobília, os equipamentos e tudo que você julgar relevante;
2º) Identificar os riscos existentes no ambiente. Existem riscos físicos? Biológicos?;
3º) Representar os riscos por meio de diagramas. Desenhe círculos com tamanho apropriado para simbolizar a gravidade (como grande, média ou pequena) e com cores específicas para cada tipo de risco.
Agora, faça você mesmo! Avalie os tipos de riscos que estão à sua volta, desenhe um mapa de risco personalizado e divirta-se com a biossegurança. E não deixe de compartilhar seu mapa com nós do Profissão Biotec!
Cite este artigo: FRANCA, L. V. Biossegurança na prática: mapeando os riscos do nosso dia a dia. . Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/biosseguranca-na-pratica-mapeando-riscos-do-nosso-dia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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da COSTA, MAF.; da COSTA, MFB. BIOSSEGURANÇA: elo estratégico de SST. Fiocruz, 2002. Disponível em <http://www.fiocruz.br/biossegurancahospitalar/dados/material10.htm#topo>. Acesso em: 27 de nov. de 2021.
HIRATA, MH.; MANCINI-FILHO, J.; HIRATA, RDC. Manual de Biossegurança 3 Ed. Barueri: Editora Manole, 2017. 474 p. Acesso em: 27 de nov de 2021.
Manual de elaboração de mapa de riscos. Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento, Governo de Goiás, 2012. Disponível em <http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2012-11/manual-de-elaboracao-de-mapa-risco.pdf>. Acesso em: 28 de nov de 2021.
Ta, L., Gosa, L., Nathanson D.A. Biosafety and Biohazards: Understanding Biosafety Levels and Meeting Safety Requirements of a Biobank. In: Yong W. (org) Biobanking. New York: Humana Press, Methods in Molecular Biology, vol 1897, 2019. https://doi.org/10.1007/978-1-4939-8935-5_19.
Fonte da imagem destacada: Foto de Oleg Gamulinskiy, no Pixabay.