Você já parou para pensar que os nossos alimentos do dia a dia estão repletos de ciência? Desde a cervejinha ou o vinho que você consome (se for maior de idade), que são alimentos fermentados, o iogurte com probióticos, o seu chá e até os produtos zero lactose possuem métodos de produção tecnológicos e inventivos. 

Porém, até onde a ciência pode ir? A população global está se aproximando dos 8 bilhões de habitantes, com previsões de crescimento para os próximos 10 anos, o que certamente será um marco notável da humanidade. No entanto, vemos que nem todas essas pessoas desfrutam das liberdades e seguranças que o ser humano tem direito, especialmente da segurança alimentar. Infelizmente, mais de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, sendo que o Brasil registrou 63.712 óbitos por complicações decorrentes da desnutrição em 2017; são 17 mortes por dia.

Sendo assim, o conhecimento fruto de descobertas científicas não deve permanecer apenas com os cientistas e pesquisadores, mas deve ser restituído à sociedade. No texto a seguir, vamos conhecer os avanços recentes da biotecnologia que prometem inovar a maneira como nos alimentamos. Só cuidado para não ficar com fome!

Chocolate

Você gosta de chocolate? Pois saiba que a produção do chocolate já apresenta técnicas biotecnológicas em sua produção, como explica este infográfico do PB em homenagem ao Dia Mundial do Chocolate. Porém, há uma maneira ainda mais inovadora de produzir esse doce: a partir de biorreatores!

A utilização de biorreatores tem a proposta de desenvolver um tipo de manufatura do chocolate que não envolva o cultivo de terra, a fim de reduzir o impacto ambiental dessas plantações. Este método alternativo está sendo estudado por pesquisadores da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça, e eles já tiveram resultados bem promissores. 

Por meio de cultura de células vegetais, em um meio nutritivo para as sementes de cacau, há a formação de uma crosta chamada calose, que é então adicionada a um biorreator para sua multiplicação. Assim, esta biomassa produzida pode ser preparada com açúcar e manteiga para fabricar uma barra de chocolate de laboratório!

Mel

O mel, além de ser um ótimo aditivo aos chás e às sobremesas, pode ser utilizado para finalidades que vão além da alimentação básica. Um ótimo exemplo de cientistas repensando processos existentes para aperfeiçoá-los por meio da biotecnologia é o mel geneticamente enriquecido desenvolvido por cientistas holandeses do Center for Plant Breeding and Reproduction Research em Wageningen, na Holanda. 

Eles modificaram plantas para que proteínas específicas sejam produzidas em seu néctar, que será coletado e transformado em mel por abelhas. Assim, os pesquisadores esperam expressar proteínas com alguma utilidade médica e distribuí-las na forma de mel ou cápsulas de mel; por exemplo, os autores do trabalho comentam sobre a criação de uma vacina contra a parvovirose canina.

Além disso, um dos times ganhadores da competição internacional de engenharia de sistemas biológicos (iGEM, sigla em inglês) começou a desenvolver a tecnologia necessária para a produção de mel sem abelhas! O time propôs a utilização da bactéria Bacillus subtilis como sistema biológico capaz de produzir e secretar os açúcares que compõem o mel, isto de maneira simples e sustentável. E com a engenharia genética desta bactéria, ainda seria possível escolher as características desejadas para o mel em si.

Carne

O movimento do vegetarianismo e veganismo tem adquirido cada vez mais adeptos, pelas mais variadas razões. E com isso, diversos produtos e alimentos que não envolvem abate e nenhum sofrimento animal também ganharam foco no mercado. Além das alternativas como a carne de jaca, por exemplo, já existe uma movimentação de cientistas para a fabricação laboratorial de um substituto à carne animal.

Podemos citar como exemplo a empresa israelita Future Meat, que desenvolveu uma tecnologia para produção de carne a partir de células bovinas cuja coleta não causam nenhuma aflição aos animais. A carne em questão não utiliza organismos geneticamente modificados, mas é feita a partir de uma cultura de células,  baseada no trabalho do Professor Yaakov Nahmias, da Universidade Hebraica de Jerusalém. De acordo com os pesquisadores, a carne possui todo o valor nutricional e sabor de uma carne normal, enquanto reduz em 99% o uso de terra e utiliza 96% menos de água potável na sua produção.

Microalgas

Quando falamos de algas, é natural pensarmos naquela relva marinha inócua que se assemelha muito a outras plantas. Porém, elas possuem funções muito importantes que abrangem desde a mitigação do aquecimento global até a alimentação humana. Talvez você nunca tenha comido uma alga na vida, mas elas têm o potencial de ser uma fonte de nutrição sustentável tanto para nós quanto para os animais.

Algumas espécies de microalgas, como as do gênero Chlorella, possuem quantidades significativas de nutrientes fundamentais para a nossa saúde: aminoácidos essenciais, carboidratos, antioxidantes e vitaminas. A utilização das microalgas tem diversas vantagens e pode ser utilizada diretamente e também como aditivos em outros alimentos. 

Além disso, o melhoramento genético por meio da biotecnologia pode aumentar ainda mais o valor nutricional das microalgas, tornando-as uma opção de alimento saudável, nutritivo e ambientalmente amigável. Uma das formas de utilizar as microalgas na alimentação é através de suplementos e vitaminas.

Perspectivas para o futuro

Além dos exemplos citados aqui, você também pode conferir estes outros textos do Profissão Biotec sobre o assunto: a produção de alimentos por impressão 3D e os alimentos biofortificados para a suplementação nutricional e o desenvolvimento de um novo tipo de arroz rico em vitamina A!

Estas são apenas algumas das incontáveis possibilidades de alimentos inovadores e com técnicas de produção modernizadas pela biotecnologia. Com o desenvolvimento e a expansão das sociedades, o conhecimento acerca da importância da alimentação sustentável se torna cada vez mais presente em nossas vidas. Assim, o avanço da ciência da produção de alimentos, junto à preservação das fontes de alimentos em bancos de sementes, se tornam fatores imprescindíveis para a criação de um mundo onde, idealmente, ninguém passe fome. 

Talvez, em um futuro próximo, estes alimentos sejam encontrados nas estantes dos mercados rotineiramente… será que você compraria?

Cite este artigo:
FRANCA, L. V. As comidas do futuro: como a biotecnologia pode revolucionar nossa alimentação. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/comidas0do-futuro-biotecnologia-pode-revolucionar-nossa-alimentacao/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

Bee Free: creating bee free honey by using a synthetic bee stomach. iGEM, 2019. Disponível em <https://2019.igem.org/Team:Technion-Israel>. Acesso em: 12 Maio 2022.
BREITHAUPT, H. A spoon full of honey…. Nature Biotechnology, 1999, 17, 838. Disponível em < https://doi.org/10.1038/12795>. Acesso em: 12 Maio 2022.
Future Meat: bringing cultivated meat to the table. Future Meat, 2022. Disponível em <https://future-meat.com/>. Acesso em: 12 Maio 2022.
GARCIA, MF. Brasil da fome: 17 pessoas morrem de desnutrição todos os dias no país. Observatório do Terceiro Setor, 2019. Disponível em: <https://observatorio3setor.org.br/noticias/brasil-da-fome-17-pessoas-morrem-de-desnutricao-todos-os-dias-no-pais/>. Acesso em: 12 Maio 2022.
KUSMAYADI A., et al. Microalgae as sustainable food and feed sources for animals and humans: Biotechnological and environmental aspects. Chemosphere, 271:129800, 2021. DOI: doi:10.1016/j.chemosphere.2021.129800.
RAAFLAUB, C e ANDINA, M. Lab-developed chocolate passes the taste test. Swiss Info, 2021. Disponível em <https://www.swissinfo.ch/eng/lab-developed-chocolate-passes-the-taste-test-/46766404>. Acesso em: 12 Maio 2022.
RITCHIE, H e ROSER, M. Causes of Death. Our World in Data, 2019. Disponível em <https://ourworldindata.org/causes-of-death#malnutrition>. Acesso em: 12 de Maio 2022.
Fonte da imagem destacada: Photo by Jimmy Dean on Unsplash.