O Profissão Biotec apresenta o Especial Vacinas, e nesse novo texto abordamos o impacto da vacinação na saúde pública e economia.

Muitos cientistas consideram as vacinas como o maior avanço biotecnológico da história devido ao seu impacto na prevenção, e até erradicação, de inúmeras doenças. Por isso o Profissão Biotec decidiu fazer uma série de textos para contar a história das vacinas, desde o seu desenvolvimento até o seu impacto positivo sobre a economia e a saúde pública. 

Neste texto conheceremos como as vacinas impactam positivamente a saúde pública e a economia, e como o Brasil se destaca nos programas de imunização.

Como as vacinas impactam a saúde pública e a economia

Sempre que pensamos em vacinas, pensamos em saúde. Ao longo dos últimos textos da série entendemos como elas são produzidas e testadas, como agem no nosso organismo e quais foram as reações populares (contra e a favor) diante dessa importante descoberta científica.

Contudo, as vacinas possuem um impacto positivo não somente na saúde, mas também nas questões sociais e econômicas de um país. Você sabia disso?

Impacto das vacinas na saúde pública

As vacinas são consideradas o principal avanço científico do século XX e têm um grande impacto na saúde pública. O fato de imunizar um indivíduo, protegendo-o de uma doença e, consequentemente, impedindo a disseminação da doença, ampliou a expectativa e a qualidade de vida de milhões de pessoas ao longo dos anos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2 a 3 milhões de mortes são evitadas no mundo, todos os anos, devido a vacinação da população. Enquanto na década de 1930, as doenças infecciosas e parasitárias eram responsáveis por 45,7% das mortes no Brasil, em 2010, esse índice caiu para 4,3%, segundo o Ministério da Saúde. Esses dados confirmam que a vacinação reduz drasticamente a morbidade de doenças preveníveis.

Tabela com a diminuição do número de casos de doenças imunopreveníveis no Brasil entre 1980 a 2009, onde se vê nas linhas os nomes das doenças (difteria, sarampo, coqueluche, poliomielite, rubéola, tétano neonatal e total) e nas colunas os anos (1980, 1990, 2000, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009). Todas as doenças apresentam redução do número de casos ao longo dos anos. Fonte: Pinto et al, 2011.

Além de evitar mortes, as vacinas também erradicaram doenças. A varíola, que foi responsável pela morte de meio bilhão de pessoas ao longo do século XX, foi erradicada por meio das vacinas. Assim como a poliomielite (doença viral conhecida também como paralisia infantil) foi erradicada no Brasil e em outros países após campanhas de vacinação. Atualmente, a varíola e a poliomielite são consideradas erradicadas no Brasil, mas o sarampo, que também estava nessa lista, voltou a preocupar devido à queda na vacinação

Todas essas informações comprovam que investir em prevenção, por meio de vacinas, é muito mais fácil do que tratar o paciente doente. A prevenção reduz as mortes, e consequentes sequelas graves, e evita a sobrecarga do sistema de saúde. Além disso, têm um custo menor comparado aos gastos com medicamentos e internações. 

Programa Nacional de Imunização: exemplo brasileiro

O Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, é responsável por organizar a vacinação da população brasileira. Criado em 1973, o PNI é considerado uma referência internacional em saúde pública, pois oferece a vacinação para todo o país, de forma gratuita, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Três tabelas com os nomes de todasacinas disponíveis no Programa Nacional de Imunização (PNI) para as diferentes faixas etárias (crianças, adolescentes, adultos e idosos). Fonte: Interfarma

Ao longo dos últimos 40 anos, o PNI fortaleceu as campanhas de imunização e possibilitou a aquisição centralizada de vacinas (permitindo a uniformidade do calendário de vacinação). O PNI também ampliou a capacitação tecnológica para a produção nacional de vacinas, por meio do Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos – PASNI (atualmente 75% das vacinas utilizadas no PNI são fornecidas pelos laboratórios públicos, como Fiocruz, Instituto Butantan, Instituto Vital Brazil, entre outros), e todas essas ações contribuíram significativamente para redução de morbidade e mortalidade no Brasil. 

Figura representativa dos números relacionados ao Programa Nacional de Imunização (PNI): investimentos, doses distribuídas, tipos de vacinas, salas de vacinação, cobertura vacinal, centros de referência e laboratórios públicos produtores de vacinas.  #pracegover: onze círculos e em cada um deles um número relacionado ao PNI, como descrito na legenda.Fonte: Interfarma

O PNI criado no Brasil também auxiliou campanhas de vacinação no Timor Leste, Palestina, Cisjordânia e Faixa de Gaza, e permitiu cooperação técnica do Brasil com Estados Unidos, México, Uruguai, Argentina, Paraguai, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Peru, Guiana Francesa, Angola, Filipinas e Israel.

Gráfico da evolução do PNI no Brasil, com aumento de 44 vezes na compra de imunobiológicos entre 1995 e 2017. No eixo x estão representados os anos em ordem crescente, de 1995 a 2017; e no eixo y estão representados os investimentos, em bilhões de reais. Fonte: Ricardo Zorzetto, Revista Pesquisa Fapesp.

A respeitabilidade e o sucesso alcançados pelo PNI ocorreram devido aos investimentos realizados pelo Ministério da Saúde ao longo dos anos, em diferentes governos. O apoio governamental facilitou a adesão da população às campanhas de vacinação. Um exemplo disso foi a criação do personagem Zé Gotinha, a marca-símbolo da campanha de vacinação da poliomielite, que foi amplamente aceito pela sociedade.

Personagem Zé Gotinha, símbolo da vacinação no Brasil. Adaptado de Fiocruz.

Sem vacina, sem saúde

Durante muito tempo o PNI foi bem sucedido e permitiu coberturas vacinais suficientes para conter ou erradicar doenças no Brasil. Mas, infelizmente, nos últimos anos as taxas de cobertura vacinal do Brasil caíram de 95% para 80%. Uma das consequências dessa redução foi o surto de sarampo em 2019, doença que já havia sido erradicada no país. Outro dado recente, de 2017, indica que a  imunização contra a poliomielite também não atingiu a meta em 22 estados brasileiros, preocupando médicos e cientistas, que temem o retorno da doença.

Dentre as razões para essa queda na cobertura vacinal brasileira estão:

  1. Muitos pais acreditam que algumas doenças desapareceram e que não precisam vacinar seus filhos;
  2. Desconhecimento de quais vacinas integram o calendário vacinal;
  3. Dificuldade de acesso e/ou falta de tempo de ir até os postos de vacinação, que funcionam somente em dias úteis;
  4. Redução dos investimentos e do apoio governamental ao PNI;
  5. Fake news disseminadas por grupos anti-vacinas. Notícias falsas como “vacina provoca autismo”, “vacina causa problemas neurológicos” e “vacina enfraquece o sistema imunológico” circulam principalmente nas redes sociais e incentivam a desconfiança e o medo da população.

A redução na cobertura vacinal é um fato preocupante pois deixa a população exposta a doenças, que podem gerar sequelas graves, e que podem sobrecarregar o sistema público de saúde. Um risco desnecessário já que as vacinas que previnem essas doenças são oferecidas gratuitamente pelo SUS.

Vacinar também é uma estratégia econômica!

Os impactos positivos das vacinas não acontecem somente na área da saúde. As vacinas também têm um grande impacto econômico e por isso precisam ser consideradas um investimento e não um gasto para os governos. Especialistas afirmam que a vacinação reduz os custos com tratamentos e assistência médica e dessa forma é um dos meios mais baratos de prevenir doenças e evitar mortes.

Um estudo da Johns Hopkins University (Estados Unidos) demonstrou que para cada US$ 1 investido em imunização, cerca de US$ 16 são economizados no tratamento das doenças preveníveis. Nos últimos 20 anos, o aumento da cobertura vacinal permitiu que os países economizassem cerca de US$ 350 milhões em serviços de saúde, e estima-se que o impacto econômico seja em torno de US$ 820 milhões.

Outro ponto importante é que a vacinação em massa, além de prevenir doenças, também amplia a expectativa de vida da população, tornando a população economicamente ativa e produtiva por mais tempo. Sem a vacinação em massa, aumentam os riscos do indivíduo adoecer, deixar de trabalhar/produzir e depender de auxílios governamentais, afetando diretamente a economia do país.

E essa situação afeta todos os setores econômicos. Um exemplo muito simples é o que vivemos atualmente na pandemia da COVID-19. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 38% da força de trabalho em todo o mundo (aproximadamente 1,25 bilhão de pessoas) está empregada em setores afetados pela pandemia, e só conseguirão retornar às suas atividades por completo quando boa parte da população estiver vacinada para a COVID-19. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que a vacinação em massa para a COVID-19 evitará uma perda de US$ 3,4 trilhões para a economia global.

Além de preservar os empregos existentes, as vacinas também geram empregos e investimentos! Estima-se que a pesquisa e produção de vacinas no mundo movimente US$ 6,5 bilhões e gere outros milhões de empregos direta ou indiretamente. 

Um exemplo é a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde da Fiocruz, no Rio de Janeiro: somente para a construção do complexo devem ser abertas 5 mil vagas na construção civil e posteriormente mais 1500 vagas para a produção das vacinas e biofármacos. Dessa forma, diversos profissionais (como biotecnologistas, biólogos, farmacêuticos, entre outros) deverão ser contratados.

Isso confirma a importância econômica da vacinação, seja na manutenção ou na criação de empregos, e comprova que todos os investimentos em pesquisa, produção e distribuição das vacinas retornam diretamente para a sociedade.

Um pacto social

As vacinas não induzem apenas uma proteção individual contra as doenças. A vacinação também promove impactos sociais, pois a ampla cobertura vacinal da população assegura o bem-estar coletivo, fenômeno que os cientistas chamam de proteção indireta. Ao se vacinar, o indivíduo garante a sua proteção e, indiretamente, protege todos ao seu redor (família, amigos, vizinhos, etc.).

Por isso, os cientistas reforçam que a vacinação é um pacto social, e independe de questões religiosas ou ideológicas. Existem dispositivos na legislação brasileira que permitem a vacinação obrigatória (Lei 13.979), o que inclusive tem gerado muitas discussões. 

Independente da obrigatoriedade ou não, o importante é o benefício que a vacinação traz para a sociedade, e como ela precisa ser vista como uma atitude cidadã em prol do bem-estar coletivo. E esse tipo de atitude já é comum no Brasil, visto que atualmente temos a maior cobertura vacinal para a gripe entre idosos no mundo, mesmo com a vacinação não sendo obrigatória!

Vacinação é um pacto social que assegura o bem-estar coletivo.  #pracegover: Uma seringa, representando a vacinação, forma uma barreira que protege as pessoas dos vírus. Fonte: Pixabay

Vacina é sinônimo de progresso

Ao longo das últimas décadas, o acesso a vacinas eficazes e seguras impactaram positivamente a saúde (mudando o padrão de adoecimento da população e reduzindo a mortalidade) e a economia mundial (aumentando a expectativa de vida, a produtividade e a manutenção/geração de empregos). 

No Brasil, observamos como o progresso do PNI possibilitou a vacinação gratuita e a ampliação dos investimentos na pesquisa e produção nacional. Definitivamente, temos muitos motivos para acreditar que o progresso de um país está diretamente ligado à vacinação da sua população!

Continue acompanhando o Profissão Biotec e a nossa série sobre vacinas: no próximo texto destacamos as perspectivas para as novas vacinas e como os avanços biotecnológicos contribuem para esse futuro promissor. 

Texto revisado por Tayná Costa e ìsis Biembengut
Referências:
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JUNIOR, J. B. S. Editorial: 40 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma conquista da Saúde Pública brasileira. Epidemiol. Serv. Saúde, 22(1):7-8, 2013.

PINTO, E.F.; MATTA, N.E.; DA-CRUZ,A.M. Vacinas: Progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis. Acta Biológica Colombiana, v.16, n.3, 2011.

ZORZETTO, R. As razões da queda da vacinação. Revista Pesquisa Faperj. Disponível em <https://revistapesquisa.fapesp.br/as-razoes-da-queda-na-vacinacao/> Acesso em 25 de janeiro de 2021.

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