Mesmo o genoma bacteriano sendo um dos mais estudados ainda nos traz grandes surpresas. Dessa vez tem a ver com a resistência aos antibióticos, vem conferir!

Não é novidade para ninguém que as bactérias possuem a capacidade de se tornarem resistentes aos antibióticos. Isso inclusive é considerado um problema de saúde pública, pois, segundo a OMS, todos os anos mais de 700 mil pessoas morrem no mundo por conta de infecções causadas por bactérias resistentes. E esse número pode crescer para 10 milhões até 2050

As bactérias são organismos unicelulares com grande potencial de evolução, conseguindo  se adaptar rapidamente ao ambiente em que se encontram. Mas como isso ocorre? Os cientistas estão descobrindo que alguns genes específicos podem estar envolvidos na potencialização desse processo de evolução

O que são superbactérias?

As bactérias podem ter dois tipos de resistência aos antibióticos: 

  • A resistência intrínseca, ou seja, natural de determinado gênero ou espécie de bactéria, e/ou a; 
  • Resistência adquirida, aquela originada de mutações no material genético da bactéria ou vinda de outras bactérias (conjugação, plasmídeo, transposon), via bacteriófago (transdução) ou via ambiente (transformação).

As superbactérias, são aquelas que se tornaram resistentes a múltiplos antibióticos através da resistência adquirida, e por isso, não conseguimos matá-las pelos métodos usuais. Por esse motivo, uma infecção por uma superbactéria é muito mais difícil de ser tratada.

A resistência de uma bactéria aos antibióticos, tanto a intrínseca quanto a adquirida, pode ser resumida em 5 mecanismos, e também depende da forma de ação do fármaco: 

  1. Produção de enzimas que degradam ou modificam antibióticos; 
  2. Redução da permeabilidade da membrana externa (impedindo a entrada do antibiótico); 
  3. Sistemas de efluxo hiperexpressos (aumentando a saída do antibiótico); 
  4. Alteração do sítio alvo (de ligação) do antibiótico; 
  5. Bloqueio ou proteção do sítio alvo do antibiótico.

Mas como uma bactéria que antes era sensível a um antibiótico pode desenvolver  resistência é o que a ciência está tentando entender agora.

Hipótese de como as bactérias se tornam resistentes

Uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade de Oxford tentou entender como ocorria a evolução da resistência de Staphylococcus aureus ao antibiótico ciprofloxacina. A S. aureus é uma bactéria gram-positiva esférica que habita a pele e as mucosas de pessoas saudáveis, mas é uma das principais responsáveis por infecções hospitalares, ao entrar em contato com pessoas imunodeprimidas.

A ciprofloxacina é uma antibiótico de amplo espectro (utilizado para controle de diversas infecções) e seu mecanismo de ação é pela inibição das enzimas topoisomerase tipo II (DNA girase) e topoisomerase tipo IV, que atuam na replicação e transcrição do DNA. Ou seja, o antibiótico impede que a bactéria replique o seu DNA e assim se multiplique.

Já é conhecido que a resistência a ciprofloxacina está diretamente relacionada à mutação de apenas um nucleotídeo nos genes das duas topoisomerases, o que altera o sítio de ligação do antibiótico e inibe sua ação.

Para iniciar a pesquisa os cientistas selecionaram cepas de bactérias que eram sensíveis a uma dosagem mínima de 1 mg/L de ciprofloxacina, mesmo assim, havia variação sutil na resistência intrínseca entre as cepas.

Elas foram todas submetidas a tratamentos com ciprofloxacina e no início foi observada grande redução das populações de bactérias, mas algumas sobreviveram e voltaram a crescer ao fim do experimento, demonstrando que haviam desenvolvido a resistência ao antibiótico. Os pesquisadores quiseram entender porque algumas se tornaram resistentes enquanto outras não.

Duas hipóteses foram levantadas, a primeira foi de que aquelas cepas que já possuíam maior resistência intrínseca à ciprofloxacina seriam as que gerariam descendentes com maior resistência adquirida, e a segunda hipótese era de que as cepas com maior taxa de mutação aleatória no DNA teriam mais chances de adquirir a mutação nos genes das topoisomerases e assim se tornarem resistentes. No entanto, nenhuma das duas hipóteses isolada foi capaz de responder a pergunta.

Genes potencializadores da evolução da resistência

A chave para essa pergunta pode estar relacionada a outros genes. Os cientistas verificaram que alguns genes não relacionados podem potencializar a evolução de mecanismos de resistência.

No caso da pesquisa com S. aureus, ao que tudo indica a resistência adquirida está relacionada com o gene norA, um gene responsável pela produção de um sistema de bomba de efluxo da bactéria. Essa bomba é um mecanismo natural que se encarrega de excretar compostos tóxicos gerados pelo metabolismo da bactéria. Quando esse gene é superexpresso ele confere à bactéria maior resistência a antibióticos pois passa a excretá-los do citoplasma bacteriano.

Bomba de efluxo de uma bactéria. Em vermelho vemos o fármaco entrado pela membrana/parede celular da bactéria e sendo excretado pela bomba de efluxo que confere certa resistência à bactéria. Fonte: ANVISA.

Além disso, a superexpressão do gene norA impulsiona as mutações nos genes das topoisomerases daquelas bactérias que já possuem certa resistência intrínseca. Então o mecanismo da bomba de efluxo e a estrutura de topoisomerase alterada trabalham juntos para aumentar a resistências da bactérias a altas doses de ciprofloxacina. Dessa maneira o gene norA age como um potencializador para que a S. aureus desenvolva a resistência adquirida ao antibiótico.

Assim essas bactérias resistentes utilizam 2 dos 5 mecanismos de resistência conhecidos, a alteração do sítio de ligação do antibiótico e a bomba de efluxo que expulsa o antibiótico do interior da bactéria.

Resumo do processo de potencialização da evolução da resistência de S. areus ao antibiótico ciprofloxacina pela superexpressão do gene norA.

Outro grupo de pesquisa estudou a evolução da resistência de bactérias  Pseudomonas a um antibiótico b-lactâmico, e percebeu que neste caso a evolução também é potencializada por um gene, neste caso o ampR. Você pode conferir o artigo aqui.

Qual a implicação das descobertas? 

Essas descobertas podem ter duas implicações diretas bem importantes. A primeira delas é a cautela durante o tratamento de uma infecção com determinado fármaco. Quando conhecemos o genoma da bactéria causadora da infecção, é possível, determinar qual o potencial daquela cepa de bactérias desenvolver resistência ao antibiótico escolhido, e assim, optar por um medicamento mais seguro para o tratamento. 

Além disso, é possível planejar novas formas de tratamento da infecção, tendo em vista o resultado obtido no experimento de Oxford, no qual foi utilizado um inibidor para a bomba de efluxo e a evolução da resistência foi inibida, sendo possível eliminar as bactérias após o tratamento com ciprofloxacina.

Nossa compreensão da resistência bacteriana aos antibióticos ainda está no início, mas os resultados já são bem promissores. O que você acha? Será que um dia as superbactérias não serão mais um problema? Se quiser saber mais sobre o assunto o Profissão Biotec também já publicou esses textos:

Texto revisado por Tayná Costa e Ísis Venturi Biembengut
Referências:
ANDRADE; DARINI. Mecanismos de resistência bacteriana aos antibióticos. Curso Básico de Antimicrobianos Divisão de MI – CM – FMRP-USP. Disponível em:https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4145358/mod_folder/content/0/3.%20Mecanismos%20de%20resist%C3%AAncia.pdf?forcedownload=1. Acesso em: 29/09/2020.
Bayer. CIPRO. Cloridrato de ciprofloxacino: Disponível em: https://pharma.bayer.com.br/html/bulas/profissionais_saude/Cipro.pdf. Acesso em: 29/09/2020.
GIFFORD, et al. Identifying and exploiting genes that potentiate the evolution of antibiotic resistance. Nature Ecology & Evolution. 2018. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41559-018-0547-x. Acesso em: 29/09/2020.
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FIO CRUZ. Antibióticos: resistência de microrganismos é grave ameaça à saúde global. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/antibioticos-resistencia-de-microrganismos-e-grave-ameaca-saude-global. Acesso em: 29/09/2020.
PAPKOU, et al. Efflux pump activity potentiates the evolution of antibiotic resistance across S. aureus isolates. Nature Communications. 2020. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41467-020-17735-y. Acesso em: 29/09/2020.

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