A inteligência artificial tem grande capacidade de automatizar e acelerar processos. Vamos conhecer alguns exemplos do seu uso na biotecnologia.

A inteligência artificial (IA) está muito mais presente no nosso cotidiano do que podemos imaginar. Os serviços de atendimento ao cliente por chatbots, que encontramos em quase todos os sites de vendas e até nas ligações para as operadoras de celular, são um exemplo da aplicação da IA. A identificação e separação entre mensagens  importantes e spam feitas pelos serviços de e-mail também são baseadas em IA. E, sem sombra de dúvidas, o uso mais difundido da IA está nas redes sociais, onde proporciona a capacidade de personalização, tornando-se viciante para o usuário. Você já imaginou que IA poderia ser aplicada à biotecnologia?

Porém, antes de entender essa relação, precisamos definir o que é IA. Brevemente, a IA refere-se ao ramo da ciência que visa à produção de sistemas e máquinas inteligentes que possam realizar previsões, classificações ou a tomada de decisões por meio do uso de dados coletados para seu aprendizado, de forma similar, mas não limitada, à da inteligência humana. Outros termos bastante conhecidos nessa área são: machine learning (aprendizado de máquina) e deep learning (aprendizado profundo). Embora utilizados, erroneamente, como sinônimos da IA, ambos são seus subcampos.

Para tornar os sistemas e máquinas inteligentes, os algoritmos de IA são desenvolvidos e treinados com um conjunto de dados selecionados, para que possam resultar em previsões/decisões/classificações assertivas. Algoritmos são sequências lógicas de ações executáveis (processamento) que, através de dados de entrada (input), visam atingir um objetivo (output). Assim como os programas de computador mais conhecidos, o algoritmo de IA precisa ser escrito em uma linguagem de programação. Para isso, existem diferentes linguagens, como C, C++ e Python. Porém, é importante destacar, que os computadores e máquinas de processamento no geral, “entendem” apenas uma linguagem: o código de máquina. A linguagem (ou código) de máquina, é bastante específica e composta apenas por dígitos binários (0 e 1). Para o algoritmo de IA, escrito em C ou Python, é preciso utilizar um compilador, que é um programa que traduz os programas escritos em diversas linguagens de programação para a linguagem de máquina. A tecnologia cada vez mais avançada dos editores de códigos facilita o desenvolvimento de algoritmos, uma vez que eles já possuem compiladores para diferentes linguagens de programação.

Atualmente, a IA tem sido essencial em diversas indústrias, inclusive a biotecnológica, devido às suas características de aprendizagem, percepção e tomada de decisão. Outras características da IA úteis são: (i) a aprendizagem repetitiva e a descoberta de informações de interesse (por exemplo, uma molécula química com propriedades terapêuticas) a partir do dados, (ii) adaptação do algoritmo por meio do processo de aprendizagem através dos dados usados para treino e para classificação, (iii) automatização de tarefas, (iv) previsões e classificações com ótima precisão e (v) obtenção do máximo de informações que os dados podem oferecer. Em função das suas características, a IA também tem contribuído para diversos avanços na indústria biotecnológica, como veremos em dois exemplos a seguir.

IA no desenvolvimento e reposicionamento de fármacos

O cenário atual do desenvolvimento de novos fármacos depende de processos longos e onerosos, demandando novas estratégias para melhorar a sua eficácia. Nesse contexto, o uso de IA para a seleção de moléculas candidatas a fármacos é um avanço tecnológico que contribui para a redução de gastos e de tempo, além de contribuir para a redução de testes em animais. Além disso, o uso de IA para essa aplicação torna possível a extração do maior número possível de informações dos milhares de dados presentes nos bancos biológicos, tarefa que seria impossível apenas pelo trabalho humano.

Uma das formas de utilizar a IA para essa finalidade é por meio da predição de propriedades farmacocinéticas e toxicológicas das moléculas, bem como das interações físico-químicas desejáveis entre as moléculas testadas e o alvo biológico de interesse. Ademais, a caracterização das propriedades de absorção, distribuição, metabolismo e excreção (ADME) dos potenciais fármacos também pode ser feita com o uso de algoritmos de IA.

Todas essas etapas, se realizadas em conjunto, podem ser utilizadas tanto para a classificação de novos compostos com propriedades farmacológicas promissoras quanto para fármacos já existentes que possam ser reposicionados para o tratamento de outras doenças. Além dessas aplicações, modelos de IA também podem ser utilizados no design de novo de moléculas químicas a fim de obter as características desejadas. Na figura abaixo, são resumidas as aplicações da IA na indústria farmacêutica.

Resumo do uso de IA para a  descoberta de fármacos
Resumo do uso de IA para a  descoberta de fármacos. Fonte: adaptado de Paul et al., 2021. 

A sede em Hong Kong da startup norte-americana Insilico Medicine, utiliza IA tanto na busca de novos alvos para seus medicamentos quanto em abordagens de deep learning para desenvolver novas moléculas para esses alvos. Em 2021,  a empresa anunciou  a descoberta de um novo medicamento com potencial pré-clínico para fibrose pulmonar idiopática, doença que causa dificuldades respiratórias. Atualmente, a pesquisa clínica está sendo conduzida na Austrália e vem apresentando resultados promissores.

De forma similar, a startup brasileira InsilicAll também utiliza tecnologias de IA para inovação em fármacos e avaliação toxicológica tanto para fases pré-clínicas quanto para fins regulatórios. Ainda dentro das universidades, diversos grupos de pesquisas também têm dedicado esforços para a construção de plataformas nesse ramo. A In Silico Solutions, por exemplo, é uma spin-off do Laboratório de Bioinformática Estrutural (LaBiE) da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), e utiliza IA para a predição de propriedades químicas e toxicológicas de moléculas. Ademais, pesquisas similares têm sido desenvolvidas em busca de moléculas com potencial farmacológico contra o câncer e para o tratamento da COVID-19.

IA na melhoria de bioprocessos

Os bioprocessos, caracterizados como aqueles conduzidos mediante a ação de agentes biológicos, são a chave central para o desenvolvimento de produtos e processos biotecnológicos em larga escala. Dentro dessa grande área, a biologia sintética é essencial para predizer as rotas metabólicas a serem exploradas nos bioprocessos e o avanço da bioinformática e da IA têm otimizado essa tarefa. A produção de alguns medicamentos, alimentos, bebidas e reagentes industriais, por exemplo, depende da aplicação de reações ou vias biológicas mediadas por células inteiras ou enzimas, em condições controladas, para a biotransformação da matéria-prima.

Um típico fluxograma de um bioprocesso inclui as etapas de upstream e downstream, além da etapa de produção propriamente dita. Na primeira, ocorre o tratamento da matéria-prima, o preparo dos meios de propagação e de produção e a esterilização do material. A seguir, a transformação dos substratos em produto por meio de microrganismos, células animais ou vegetais ou enzimas ocorre em um biorreator, sob condições otimizadas e controladas. Por fim, na etapa de downstream, é realizada a separação e purificação dos produtos. 

A empresa Cytiva já usa IA nas etapas de fermentação e downstream, por exemplo, visando melhorar a performance de culturas celulares em biorreatores e otimizar a purificação de proteínas. Diversos grupos de pesquisa se dedicam a propor soluções em IA para bioprocessos. É o caso de uma pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), que resultou em  um software em IA para analisar e determinar parâmetros da qualidade da cerveja a partir de espectros no ultravioleta-visível (UV-Vis). 

Há inúmeras possibilidades de aplicações de inteligências artificiais para o desenvolvimento e a otimização continuada de bioprocessos. No entanto, há poucas plataformas que possibilitam a integração de algoritmos de IA com biorreatores e incubadoras orbitais de forma simples e intuitiva. Pensando nisso, a INFORS-HT tem o software eve® que além de controlar e monitorar os equipamentos, também atua como um compilador para linguagem C. Dessa forma, é aberta uma nova janela de oportunidades para ser aplicados IA em plataformas inteiras de bioprocessos.

Resumo dos benefícios do uso de algoritmos de IA em bioprocessos
Resumo dos benefícios do uso de algoritmos de IA em bioprocessos. Fonte: Adaptado de Owczarek, 2021.

Em síntese, as aplicações da IA favorecem o desenvolvimento da biotecnologia, assim como de outras áreas, por meio da automatização e aceleração de processos. As etapas futuras visam ter uma ou mais IA’s que podem estar embarcadas em diferentes equipamentos e que possam conversar entre si, a fim de otimizar plataformas de forma geral, e não apenas para um processo específico. Aqui, abordamos duas das principais áreas biotecnológicas que se beneficiam da IA e que acabam por ser intercambiáveis, uma vez que a produção em larga escala de princípios farmacêuticos depende, na maioria das vezes, de bioprocessos. No próximo texto, abordaremos a importância do big data para bioprocessos e qual a relação com os algoritmos de IA.

Perfil de Darling Lourenço
Texto revisado por Elaine Latocheski e Natália Videira

Texto em parceria com a INFORS HT.

Cite este artigo:
LOURENÇO, D. A. Inteligência Artificial aplicada à Biotecnologia. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/inteligencia-artificial-aplicada-biotecnologia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

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SAIBA como funciona um algoritmo e conheça os principais exemplos existentes no mercado. Rock Content Blog. Disponível em: <https://rockcontent.com/br/blog/algoritmo/>. Acesso em: 29 Ago 2022.
THOMS, J.F. Bioprocessos em detalhes: do laboratório à indústria. Blog do Profissão Biotec, v.7., abril/2021. Disponível em: <www.profissabobiotec.com.br/bioprocessos-em-detalhes-do-laboratorio-a-industria>. Acesso em: 27 Jun 2022.
Fonte da imagem destacada: Vecteezy.

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Andréa Pestana
Andréa Pestana
1 ano atrás

Que texto interessante!!! Já estou pensando em mil desdobramentos para ele!!
Muito Obrigada!!!

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