A engenharia genética de cloroplastos é uma alternativa para obter plantas com características agronômicas desejáveis e para a produção de biomoléculas.

Quando falamos a respeito da Biotecnologia vegetal, logo pensamos nas técnicas de engenharia genética que permitem obter plantas geneticamente modificadas. Mas vocês sabiam que a inserção de genes para conferir características desejáveis em uma planta não é realizada somente “engenheirando” o material genético do núcleo? Neste texto vamos falar do cloroplasto e como a engenharia genética dessa organela pode ser útil para aprimorar as aplicações biotecnológicas.

Cloroplastos valiosos, cloroplastos engenhosos

Quase todo mundo deve se recordar das aulas de biologia, lá no ensino médio, em que aprendemos a respeito do processo da fotossíntese, importante para o desenvolvimento de plantas e algas. E logo lembramos do cloroplasto, uma organela celular essencial onde esse processo ocorre. Uma única célula vegetal pode conter vários cloroplastos no seu interior. Essas organelas desempenham, além da fotossíntese, funções como a assimilação de nitrogênio e a biossíntese de moléculas.

Talvez o que muitos não saibam ou não se recordam é que, assim como as famosas mitocôndrias, os cloroplastos possuem seu próprio material genético, o que lhe dá bastante autonomia para regular suas funções. Inclusive, o DNA dessa organela tem uma estrutura circular bastante parecida com os plasmídeos bacterianos e está presente em várias cópias no interior da organela. 

Fotomicrografia de células vegetais da espécie Cladopodiella fluitans
Fotomicrografia de células vegetais da espécie Cladopodiella fluitans. Os cloroplastos são as estruturas esféricas na cor verde, visualizados no interior das células. Fonte: Hermann Schachner #ParaTodosVerem: A fotomicrografia ilustra um tecido vegetal contendo diversas células, lado a lado. Dentro de cada célula, estão estruturas esféricas que correspondem aos cloroplastos, os quais dão uma cor verde para o tecido.

Mais de 800 espécies de plantas já tiveram o DNA de seus cloroplastos sequenciado, e neles estão presentes cerca de 120 genes. O fato do DNA dessa organela ser parecida com os plasmídeos bacterianos, muito utilizados em engenharia genética, possibilitou que a Biotecnologia encontrasse formas de engenheirá-lo. Essa engenharia nos permite obter plantas ou microalgas mais eficientes em expressar uma característica desejável ou produzir uma substância de interesse em maiores quantidades. Mas o quão vantajoso é modificar o material genético de cloroplastos?

Por que engenheirar o DNA de cloroplastos?

A primeira vantagem é que a célula sexual masculina, o pólen, não contém essas organelas. Isso garante que o gene introduzido no DNA do cloroplasto não será transmitido à outras plantas selvagens através da dispersão do pólen no meio ambiente. Desse modo, temos um processo biotecnológico mais ecológico e seguro, pois evita que riscos de cruzamento entre plantas selvagens e transgênicas possam gerar perda da biodiversidade. A transferência do gene introduzido nos cloroplastos, então, será realizada somente da planta mãe para as plantas filhas.

Outra vantagem é que uma célula vegetal tem uma quantidade elevada de cloroplastos no seu interior. Isso significa que existem várias cópias do mesmo DNA nessas organelas que poderão expressar o gene de interesse de forma a aumentar a produção da proteína desejada. Quando se introduz um gene diretamente no DNA do núcleo das células, a produção da proteína pode ser muito pequena. E em muitos casos, dependendo de onde o gene foi inserido, a atividade do gene pode até ser inibida.

Toda planta geneticamente modificada que recebeu um inserto de DNA no genoma de seus cloroplastos é chamada de planta transplastômica. Todo o processo é realizado a partir da tecnologia do DNA recombinante. Primeiro, é preciso introduzir um DNA recombinante no interior dos cloroplastos para que o gene de interesse seja inserido em uma região do DNA da organela através da recombinação homóloga.

 Geralmente, a técnica de Biobalística é utilizada para que o DNA recombinante consiga entrar dentro das células vegetais e atravessar a dupla membrana dos cloroplastos. Posteriormente, as células são regeneradas em meio nutritivo dando origem a brotos.  

Como não são todas as cópias do DNA de um cloroplasto que recebem o gene de interesse, os primeiros brotos são cultivados por técnicas de Biotecnologia vegetal para originar vários outros brotos até que todas as células contenham praticamente todos os cloroplastos engenheirados. Isso é possível porque essas organelas podem multiplicar seu DNA, além de se dividirem para transferir cópias do DNA para as organelas filhas.

Figura ilustrando o processo de obtenção de uma planta transplastômica
Figura ilustrando o processo de obtenção de uma planta transplastômica. A) Da esquerda para direita: inserção do DNA recombinante que carrega o gene de interesse no interior das células vegetais pelo método de Biobalística; regeneração das células sobreviventes em meio nutritivo que seleciona apenas aquelas que receberam o inserto no DNA dos cloroplastos; desenvolvimento de um broto primário; desenvolvimento de outros brotos secundários cultivados a partir do broto primário. B) Da esquerda para direita: célula vegetal selvagem com o DNA dos cloroplastos não engenheirados (esferas em azul); as outras três imagens ilustram que a medida que os brotos são cultivados, os cloroplastos que apresentam alguma cópia de seu DNA engenheirado (esfera em verde) geram mais cópias contendo o gene de interesse. O processo de divisão dos cloroplastos também gera células que em determinado momento apresentam todas essas organelas engenheiradas. Fonte: modificado de Lenzi et al. 2011.

De fábricas verdes a diversas aplicações biotecnológicas

Maior expressão de características de interesse

A engenharia genética de cloroplastos pode ser muito útil para garantir que determinadas características sejam mais expressas em uma planta transplastômica. Um exemplo de sucesso se trata de um estudo onde foi realizada a inserção de um gene responsável pela produção da toxina da bactéria Bacillus  thuringienses nos cloroplastos de plantas do tabaco. Nesse estudo observou-se que a toxina foi produzida em altas quantidades em suas folhas. Essa toxina é considerada um biopesticida porque tem efeito tóxico contra lagartas de insetos pragas. 

Figura ilustrando um experimento onde folhas de tabaco transplastômicas que produzem a toxina de Bacillus thuringienses são resistentes ao ataque de lagartas
Figura ilustrando um experimento onde folhas de tabaco transplastômicas que produzem a toxina de Bacillus thuringienses são resistentes ao ataque de lagartas. Fonte: McBride et al. 1995 #ParaTodosVerem: À esquerda, folhas que não produzem a toxina foram devoradas por lagartas. À direita, as folhas geneticamente modificadas com cloroplastos produzindo a toxina foram resistentes ao ataque de lagartas que tentaram se alimentar e foram intoxicadas. 

Outras características de interesse agronômico também podem se apresentar mais pronunciadas em plantas transplastômicas. Alguns exemplos são plantas que receberam genes que conferem resistência a altas e baixas temperaturas, a herbicidas, a vírus ou que promovem uma maior produção de hormônios e vitaminas que auxiliam no desenvolvimento. 

Aprimorando a fotossíntese

Outra aplicação bastante utilizada pelos cientistas é a tentativa de aumentar a eficiência fotossintética das plantas a partir da modificação ou inserção de genes no cloroplasto. A ideia é que plantas transplastômicas possam aproveitar melhor a luz solar para o seu desenvolvimento, fixando maiores quantidades de carbono e promovendo uma maior produção de açúcar e biomassa. Essas características aprimoradas podem ser promissoras para aumentar a produção de biodiesel e também de alimentos.

A enzima RuBisCo (abreviação para a ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase oxigenase) é um dos principais alvos da engenharia genética de cloroplastos, uma vez que ela atua no processo central de fixação de carbono. Como a atividade dessa enzima varia entre diversas espécies de plantas, o que os cientistas costumam fazer é estudar aquelas plantas que apresentam uma maior atividade da enzima, isolar o gene codificador desta e inseri-lo no material genético de cloroplastos de plantas de interesse econômico que não são tão eficazes em realizar a fotossíntese.

Biofábricas de plantas

 A forma de produção de biofármacos realizada em bactérias ou leveduras transgênicas requer processos industriais com um custo muito elevado. Uma alternativa a esses problemas seria o estabelecimento de biofábricas de plantas transplastômicas que poderiam produzir essas substâncias terapêuticas de forma mais econômica. Em outras palavras, a ideia seria cultivar essas plantas em hortas hidropônicas, liofilizar suas folhas contendo altas quantidades do biofármaco e encapsula-las para comercialização a um preço menor.

Alguns estudos já apontam que há uma maior estabilidade dos biofármacos obtidos por meio de plantas transplastômicas em nosso organismo. Isso se deve ao fato de que as células vegetais contém uma parede celular muito rígida que protege o biofármaco das enzimas e ácidos do estômago. Dessa forma, somente no intestino é que as bactérias ali presentes irão degradar a parede celular das células liofilizadas para liberar o biofármaco para a corrente sanguínea.

Em 2015, um grupo de cientistas dos EUA conseguiu cultivar uma biofábrica de alface transplastômica que produz o fator de coagulação IX, utilizado no tratamento da Hemofilia B. Eles viram que os cloroplastos engenheirados das células da alface conseguiam produzir altas quantidades do biofármaco e ainda verificaram efeitos terapêuticos positivos quando cápsulas liofilizadas de folhas de alface foram administradas de forma oral a camundongos hemofílicos.

Processo biotecnológico de produção de cápsulas vegetais contendo o fator de coagulação IX para tratamento da hemofilia B a partir de biofábricas de alface transplastômica
Processo biotecnológico de produção de cápsulas vegetais contendo o fator de coagulação IX para tratamento da hemofilia B a partir de biofábricas de alface transplastômica. Fonte: modificado de Su et al. 2015. #ParaTodosVerem: À esquerda, de cima para baixo: alface cultivada em larga escala (plantas em verde) em um sistema hidropônico; uma folha de alface coletada; um equipamento que realiza a liofilização das folhas de alface. À direita, de baixo para cima: folhas de alface secas e congeladas (verde) em um recipiente; folhas de alface transformadas em pó (verde) em um recipiente; equipamento para encapsular o alface em pó; cápsulas em forma de bastão na cor verde, contendo alface em liofilizado. 

A idealização das biofábricas vegetais é interessante para quem sabe no futuro, além da produção de biofármacos, podermos ter plantas que possam produzir maiores quantidade de vitaminas e outras substâncias de valor nutritivo.

Além das plantas, outras aplicações baseadas na engenharia genética de cloroplastos também podem ser obtidas a partir das microalgas fotossintéticas, que vão desde a possibilidade de produção de antígenos para compor vacinas, até a obtenção de enzimas e biomateriais. 

Engenheirar o material genético de cloroplastos pode ser uma modalidade muito importante para obter plantas ou algas com determinadas características de interesse agrícola, industrial e econômico. E a pesquisa básica para entender como essa organela funciona é essencial para que a Biotecnologia possa ser utilizada de forma eficiente.

Perfil de Fabiano Abreu
Texto revisado Luísa Valério e Ísis V. Biembengut

Cite este artigo:
ABREU, F. C. P. O mundo secreto da engenharia genética de cloroplastos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/mundo-secreto-engenharia-genetica-cloroplastos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências:

ADEM, Muhamed; BEYENE, Dereje; FEYISSA, Tileye. Recent achievements obtained by chloroplast transformation. Plant Methods, v. 13, n. 1, p. 1-11, 2017.
HANSON, Maureen R.; GRAY, Benjamin N.; AHNER, Beth A. Chloroplast transformation for engineering of photosynthesis. Journal of experimental botany, v. 64, n. 3, p. 731-742, 2013.
LENZI, P et al.  Plastid transformation for production of vaccines & therapeutic proteins. Future Medicine Ltd. 2011.
MCBRIDE, Kevin E. et al. Amplification of a chimeric Bacillus gene in chloroplasts leads to an extraordinary level of an insecticidal protein in tobacco. Bio/technology, v. 13, n. 4, p. 362-365, 1995.
SU, Jin et al. Low cost industrial production of coagulation factor IX bioencapsulated in lettuce cells for oral tolerance induction in hemophilia B. Biomaterials, v. 70, p. 84-93, 2015.
Fonte da imagem de destaque: Wikimedia.

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