A pós-graduação é um dos principais destinos das pessoas formadas em Biotecnologia ou cursos relacionados no Brasil. Nos últimos anos, a cada 10 egressos dos cursos de Biotecnologia ou correlatos, 4 seguiram para a pós-graduação stricto sensu, isto é, mestrado ou doutorado, segundo o relatório sobre o cenário pós-diplomação produzido pelo Profissão Biotec em 2021.
Por ser uma alternativa tão visada pelos profissionais da Biotecnologia, o Profissão Biotec está estreando uma nova série de conteúdos para tirar as suas dúvidas sobre a vida acadêmica! Para começar, neste primeiro texto, vamos responder às principais perguntas sobre a pós-graduação.
1 – Pós-graduação stricto sensu: o que é?
Em essência, a pós-graduação é uma especialização realizada após a graduação e, no Brasil, é dividida em lato sensu e stricto sensu.
A pós-graduação lato sensu, ou, traduzindo do latim, “em sentido amplo”, contempla os cursos de especialização, com carga horária mínima de 360 horas, e os cursos de MBA (Master of Business Administration). Ao final do curso, o estudante apresenta um trabalho de conclusão (TCC).
O egresso da pós-graduação lato sensu recebe um certificado que o qualifica como especialista naquele campo de estudo. A pós-graduação lato sensu é estruturada para formar profissionais para atuarem no mercado de trabalho, e é esta a principal diferença para a modalidade stricto sensu.
A pós-graduação stricto sensu, ou “em sentido estrito”, compreende os programas de mestrado e doutorado. A carga horária é maior que a de um curso de pós-graduação lato sensu e, ao final, o egresso recebe um diploma de mestre ou doutor na sua área de estudo. Quando nos referimos a carreiras acadêmicas, geralmente estamos falando dos percursos profissionais que se iniciam a partir da realização de um mestrado e/ou doutorado. Por isso, para quem deseja atuar com pesquisa e docência, é recomendado cursar essa modalidade de pós-graduação.
No Brasil, a duração do mestrado é, geralmente, de dois anos e encerra com a apresentação de uma dissertação para uma banca avaliadora. Já o doutorado tem duração média de 4 anos, ao longo dos quais o aluno produz um documento denominado tese, que também deve ser submetido à avaliação de uma banca. Em outras palavras, a dissertação e a tese são os “produtos” que um aluno de mestrado ou de doutorado deve produzir e que são frutos de atividades de pesquisa aprofundada em determinada área de estudo.
A pós-graduação stricto sensu pode ser classificada ainda em profissional e acadêmica. O mestrado e o doutorado profissionais visam qualificar os egressos para atender demandas do mercado de trabalho. Já os programas acadêmicos são direcionados, principalmente, para a formação científica e em pesquisa.
2 – Preciso pagar o mestrado ou o doutorado?
A pós-graduação stricto sensu é gratuita em universidades públicas, ou seja, não são cobradas taxas de matrícula nem mensalidades. Em instituições privadas, em que os cursos são pagos, é possível se candidatar a bolsas de estudo, que cobrem total ou parcialmente as mensalidades do mestrado ou doutorado.
3 – A pós-graduação stricto sensu é só para quem quer trabalhar com pesquisa e dar aulas?
Embora o mestrado e o doutorado acadêmicos sejam voltados para a formação de pesquisadores e professores, mestres e doutores podem trabalhar também na iniciativa privada, na gestão pública ou em qualquer área em que possam aplicar seu conhecimento e habilidades para a resolução de problemas complexos.
Além disso, é equivocada a imagem do pós-graduando como alguém “descolado” da realidade do mercado de trabalho e que entende apenas da teoria, mas não da aplicação prática do conhecimento. A rotina do mestrado e do doutorado prepara o profissional para a resolução de diversos problemas, mas isso a gente conta melhor daqui a pouco…
4 – Quem cursa a pós-graduação é “só” estudante?
Quem está matriculado em uma pós-graduação é estudante também, mas não apenas isso.
Durante o mestrado ou o doutorado, é necessário cursar disciplinas relacionadas à área de estudo e ao tema de pesquisa do aluno. Aliás, os primeiros meses do mestrado ou do doutorado geralmente são dedicados quase exclusivamente às aulas. A quantidade e o tipo de disciplinas exigidas para a formação básica do mestre ou do doutor variam para cada programa de pós-graduação. Além disso, é possível cursar disciplinas eletivas, à escolha do aluno.
Entretanto, como comentamos, as atividades de um pós-graduando vão muito além de estudar e assistir a aulas. Ao final do mestrado ou doutorado, o candidato ao título precisa entregar um documento, a dissertação ou tese, respectivamente. Este “produto” contempla todos os resultados da pesquisa desenvolvida ao longo do curso. E, para atingir esses resultados, muito trabalho é necessário. São muitas horas dedicadas ao planejamento e à realização de experimentos, coleta e interpretação de dados e redação. Isso sem falar nas outras atividades realizadas durante o curso, apresentadas daqui a pouco.
Então, para resumir, o pós-graduando é, além de estudante, um profissional em formação, que realiza um trabalho de pesquisa e que tem prazos, metas e entregas a cumprir.
5 – Se a pós-graduação é também um trabalho, existe salário?
É possível ser remunerado durante a pós-graduação por meio das bolsas de auxílio à pesquisa. No entanto, a aprovação em um mestrado ou doutorado não implica que o aluno ganhará automaticamente uma bolsa. Isso depende da quantidade disponível e dos critérios para a distribuição das bolsas de cada programa de pós-graduação.
As bolsas são o “salário” do pós-graduando, e são concedidas por agências de fomento. No Brasil, as duas maiores agências são a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ambas atuam em nível nacional. O valor mensal das bolsas da CAPES e do CNPq é de R$ 1.500, para o mestrado, e R$ 2.200, para o doutorado. Além delas, há as agências de fomento estaduais, e os valores das bolsas podem mudar conforme o local.
Cabe destacar que os pós-graduandos que recebem bolsa devem cumprir regime de dedicação exclusiva, ou seja, não podem realizar atividades de trabalho externas à pós-graduação e receber remuneração. Geralmente, a carga horária mínima exigida dos bolsistas para as atividades da pós-graduação é de 40 horas semanais. Na prática, porém, não é raro ultrapassar essa quantidade de horas em função de experimentos ou de cobranças da pós-graduação.
Há, ainda, situações em que é permitido exercer atividade remunerada junto com o mestrado ou doutorado. Isso varia com a agência de fomento e com o programa de pós-graduação e depende das regras estabelecidas por eles. É possível, ainda, trabalhar e realizar mestrado e doutorado sem bolsa, porém nem sempre é fácil conciliar as atividades da pós-graduação com o trabalho.
Outro ponto que se deve ter em mente ao planejar o ingresso em uma pós-graduação é que, no Brasil, os bolsistas de mestrado e doutorado não têm vínculo empregatício. Assim, também não têm direito a férias remuneradas nem a outros direitos trabalhistas. O período como bolsista também não conta para a aposentadoria, exceto se o aluno contribuir voluntariamente para a previdência social.
Embora esse cenário possa ser desmotivador, há movimentos e diálogos entre pós-graduandos e instituições de fomento com o intuito de valorizar os pesquisadores e fornecer as bases adequadas para a permanência na pós-graduação. Algumas agências de fomento estaduais, por exemplo, reajustaram recentemente os valores das bolsas para amenizar os efeitos da inflação e do aumento do custo de vida. Outra iniciativa nesse sentido é o Projeto de Lei n° 675 de 2022, que dispõe sobre a contribuição previdenciária de bolsistas da pós-graduação e que tem como objetivo a contagem do tempo da bolsa para a aposentadoria do aluno.
6 – Quem pode fazer pós-graduação? Será que tenho o perfil certo?
Para ingressar na pós-graduação, é necessário ter um diploma de curso superior de graduação, para o mestrado, ou o diploma de mestre, para o doutorado. Ainda, alguns programas podem estabelecer requisitos adicionais para a entrada do candidato, como a suficiência ou proficiência em algum idioma estrangeiro.
Existem, também, alguns programas que contam com o chamado “doutorado direto”, modalidade que permite que graduados ingressem no doutorado sem ter cursado previamente o mestrado. Para ingressar no doutorado direto, é necessário consultar as normas específicas de cada programa de pós-graduação.
Quanto ao perfil para cursar mestrado ou doutorado, não há “certo” e “errado”. Já não vale mais aquela ideia do pesquisador como alguém muito inteligente, apaixonado pela teoria e que aceita viver recluso em um laboratório. Para ingressar na pós-graduação, basta querer desenvolver pesquisa, ter vontade de se aprofundar em uma área de estudo e contribuir para o avanço científico. E, claro, estar ciente dos prós e contras associados à pós-graduação.
Além disso, embora não exista o perfil ideal para o mestrado ou doutorado, é importante conhecer a rotina e as regras da pós-graduação, para alinhar as expectativas aos seus objetivos pessoais e profissionais. A carreira acadêmica é, muitas vezes, vista como um caminho árduo a percorrer. Por isso, vale a pena refletir: a pós-graduação pode contribuir efetivamente para o que você almeja? Você se dispõe a encarar a rotina de um mestrado ou doutorado? Para te ajudar na reflexão, vamos à próxima pergunta.
7 – Como é a rotina da pós-graduação?
A pós-graduação não é a mera continuação da graduação. Por isso, as exigências e a rotina são diferentes. A principal distinção é que, na pós-graduação, o aluno tem um projeto a desenvolver e é integralmente responsável pela realização de todas as etapas da sua pesquisa, da concepção dos experimentos à apresentação dos resultados.
Além das exigências básicas, a rotina da pós-graduação abrange ainda várias outras atividades. Por exemplo, além de frequentar aulas, o pós-graduando pode ficar responsável por prepará-las e ministrá-las. Também não é incomum o pós-graduando assumir a responsabilidade pela gestão do laboratório, elaboração e submissão de projetos visando ao financiamento da pesquisa, acompanhamento de alunos de graduação, atividades de divulgação científica e participação em eventos como congressos e simpósios, em que a sua pesquisa poderá ser apresentada para outros cientistas.
Apesar do trabalho de um pós-graduando demandar várias responsabilidades, a rotina pode ser dinâmica e permitir o desenvolvimento de diversas habilidades. Nesse sentido, o futuro mestre ou doutor desenvolve soft e hard skills e acumula experiência, entre outros, com planejamento, gestão de projetos e de pessoas, análise crítica, processamento de dados e comunicação.
8 – Como entrar na pós-graduação?
No Brasil, a pós-graduação stricto sensu é organizada em programas, que devem ser reconhecidos pelo Conselho Nacional de Educação, órgão vinculado ao Ministério da Educação. Os programas de pós-graduação também devem ser avaliados e recomendados pela CAPES para se manterem em funcionamento. A lista dos programas de pós-graduação avaliados e reconhecidos pode ser acessada na Plataforma Sucupira.
Cada programa de pós-graduação é vinculado a uma universidade brasileira e tem autonomia para definir os critérios para a seleção de novos alunos. Em geral, há também etapas comuns a vários processos seletivos, e as apresentaremos em um próximo texto da série.
Em síntese, quando se está pensando em entrar no mestrado ou doutorado, as primeiras etapas são a escolha da área de estudo e a procura por programas de pós-graduação naquela área. Então, é necessário olhar os requisitos de seleção, normalmente disponíveis em editais divulgados pelos próprios programas.
9 – Vale a pena fazer mestrado ou doutorado no Brasil?
Essa pergunta é um tanto “espinhosa” e a resposta é complexa, mas vamos lá!
Vamos começar pelo lado negativo da situação: nos últimos anos, o investimento em ciência foi reduzido no país, o que acarretou, por exemplo, no menor número de bolsas de pós-graduação disponíveis. Além disso, o valor das bolsas concedidas pelas agências de fomento federais não é reajustado há 9 anos, e é considerado insuficiente para a manutenção dos bolsistas em muitos lugares.
Esse cenário de investimento reduzido na pós-graduação está associado, ainda, a alguns outros fenômenos, como a “fuga de cérebros” e a elitização da ciência, que prejudicam ainda mais o desenvolvimento científico no país.
Por outro lado, fazer mestrado ou doutorado também pode ter vantagens. O título de mestre ou de doutor é valorizado por muitas empresas que demandam profissionais altamente especializados. Já para quem quer prestar concurso, a conclusão do mestrado ou do doutorado é contabilizada na pontuação do candidato e pode levar a salários mais altos. Por fim, para quem quer seguir carreira acadêmica, ter realizado uma pós-graduação é, na maioria das vezes, um critério obrigatório.
Cursar mestrado ou doutorado no Brasil também pode ser uma “porta” para outras oportunidades. Por exemplo, é possível, estando matriculado em um programa de pós-graduação brasileiro, realizar etapas da pesquisa em outros países. É o caso do mestrado ou doutorado “sanduíche”. Também é possível se candidatar à dupla diplomação, que pode somar pontos ao currículo do futuro mestre ou doutor.
Ainda tem dúvidas sobre a vida acadêmica e a pós-graduação? Calma, porque estamos apenas começando! Acompanhe os próximos textos da série “Vida acadêmica na Biotec” e fique por dentro desse universo habitado por tantos egressos da Biotecnologia.
Cite este artigo:
LATOCHESKI, E. C. Pós-graduação no Brasil: perguntas e respostas. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/pos-graduacao-brasil-perguntas-respostas/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). Sobre a CAPES. 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/sobre-a-cap>. Acesso em: 15 abr. 2022.
GERMANO, SAMIRA. Mestrado: o que é, como fazer? 2022. Disponível em: <http://www.anpg.org.br/05/04/2022/o-guia-absolutamente-completo-do-mestrado/>. Acesso em: 16 abr. 2022.
GERMANO, SAMIRA. O guia da pós-graduação. 2019. Disponível em: <http://www.anpg.org.br/25/04/2019/guia-pos-graduacao/>. Acesso em: 16 abr. 2022.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Qual a diferença entre pós-graduação lato sensu e stricto sensu? 2022. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=13072:qual-a-diferenca-entre-pos-graduacao-lato-sensu-e-stricto-sensu>. Acesso em: 13 abr. 2022.
SUMARES, GUSTAVO. Pós-graduação lato sensu e stricto sensu: qual é a diferença? 2022. Disponível em: <https://www.estudarfora.org.br/lato-sensu-e-strictu-sensu/>. Acesso em: 13 abr. 2022.
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