Proteínas recombinantes são feitas por técnicas de clonagem molecular e são uma alternativa eficiente à extração de proteínas de suas fontes originais.

Há mais de um século, em 1901, o prêmio Nobel era concedido pela primeira vez aos pesquisadores (imagem abaixo) cujas descobertas serviam de maneira positiva à humanidade. Duas décadas depois, houve a premiação de Frederick Grant Banting e John James Rickard Macleod pela extração prática da insulina, capaz de tratar pacientes diabéticos. E, enfim, em 1982 a insulina recombinante foi aprovada nos Estados Unidos como primeira proteína terapêutica produzida por técnicas biotecnológicas.

Desde então, centenas de outras proteínas foram produzidas de maneira recombinante. Essas proteínas podem ser utilizadas nas mais diversas aplicações como os biofármacos e biossimilares para tratamento médico e também enzimas que degradam lactose utilizadas pela indústria alimentícia, para citar alguns exemplos. No presente texto, trazemos um passo a passo com informações sobre a produção dessas biomoléculas.

O que são proteínas?

As proteínas são macromoléculas presentes em todas as nossas células e são peças chave nos mais diversos processos biológicos. Elas são compostas por uma combinação de subunidades monoméricas chamadas de aminoácidos; podemos entendê-los como um alfabeto, em que cada letra apresenta uma propriedade singular e é capaz de interagir com outras subunidades para formar uma proteína única.  

Essas moléculas apresentam uma variedade significativa de sequência, formato e tamanho, e desempenham uma miríade de funções e atividades biológicas. A título de exemplo, podemos citar os hormônios, as enzimas, as proteínas estruturais (como colágeno e queratina) e muitas outras. Nota-se aqui que a função da proteína está diretamente ligada com a sua composição de aminoácidos e sua estrutura.

Pelo fato das proteínas realizarem uma ampla gama de atividades, elas são produtos valiosos e versáteis. Caso uma proteína específica fosse interessante para aplicação médica, científica ou industrial, ela poderia ser extraída e isolada de suas fontes naturais. Porém, com a descoberta da técnica do DNA recombinante, a obtenção da proteína de interesse se tornou um processo efetivo com maior rendimento, possibilitando a produção em escala industrial.

Da sequência dos genes à proteína recombinante

Em 1977 houve a produção da primeira proteína recombinante em células da bactéria Escherichia coli  (E. coli), abrindo o caminho para uma nova era de possibilidades científicas. Mas antes de entendermos como as proteínas recombinantes são produzidas, precisamos saber como é o fluxo de informação genética. Resumidamente, nas palavras de Marshall W. Nirenberg (um dos ganhadores do Nobel de Medicina de 1968): “DNA faz RNA faz proteína”; chamamos esses processos de transcrição e tradução, respectivamente. Nota-se (imagem abaixo) que este não é o sentido único, uma vez que o DNA pode ser replicado (multiplicado em cópias iguais) e o RNA pode resultar em DNA, processo chamado de transcrição reversa (processo que ocorre com o material genético de vírus como o da COVID-19) .

Dogma central da biologia. O DNA contém todas as instruções genéticas necessárias e  pode tanto fazer cópias de si mesmo (replicação) quanto ser utilizado como molde para produzir RNA (transcrição) que, por sua vez, é traduzido em aminoácidos, as unidades constituintes das proteínas. Fonte: Toda matéria

Um método típico na biotecnologia aplicado na produção de proteínas recombinantes é a clonagem molecular, cujo princípio é montar moléculas de DNA recombinantes/quimérico, ou seja, uma molécula de DNA composta por fragmentos de informação genética de organismos (fontes) variados. Nesse processo,  o gene de interesse é transferido para um vetor apropriado e inserido em um hospedeiro (um microrganismo ou célula eucariótica) capaz de replicar tais moléculas.

Os passos básicos para produção de proteína recombinante

 1 – Seleção de um alvo. Muitos estudos são necessários para escolher uma proteína com potencial terapêutico, mas felizmente existem bancos de dados online que compilam estudos e informações, facilitando essa seleção ao integrar diferentes conhecimentos. Cabe ao pesquisador escolher um alvo para produzir, a fim de obter um produto útil, viável e relevante.

 2 – Escolha do sistema de expressão. Existem diversos sistemas disponíveis para escolher onde expressar a molécula alvo: células de mamíferos, bactérias, leveduras e plantas (apresentados brevemente na tabela abaixo), além de  células de inseto e animais transgênicos. Cada sistema apresenta suas peculiaridades e a escolha vai depender de cada proteína recombinante a ser trabalhada; para conhecer mais sobre os diferentes sistemas, acesse este texto do Profissão Biotec!

Após decidir estes dois pontos, podemos começar as etapas de clonagem molecular.

Tabela comparativa dos principais sistemas de expressão.. Imagem produzida pelo autor.

3 – Seleção da sequência de material genético. Digamos que você queira produzir a proteína insulina humana em células de bactéria E. coli, então é preciso obter o DNA que codifica essa proteína. Uma maneira para isso é isolar o RNA codificador da insulina de organismos que a produzem, fazer uma reação de transcrição reversa (RT) e pronto, temos o DNA complementar (cDNA) referente à insulina. Este processo parece laborioso em excesso, afinal por que não utilizar a sequência de DNA? 

Para entender o porquê, devemos conhecer a organização dos genes: o nosso DNA possui sequências não codificadoras de proteína (íntron/intrão) situadas entre os fragmentos codificadores (éxon/exão). Durante o processo de transcrição, os íntrons são removidos para gerar um RNA apropriado para a tradução, sendo que esta sequência apenas de éxons é a desejada para realizar a clonagem.

Uma maneira alternativa e economicamente viável é a síntese in vitro. Existem empresas que fabricam o gene de interesse, possibilitando a obtenção da sequência de maneira mais prática e rápida. Vale notar que esta opção pode incluir a otimização da sequência para adequação a um hospedeiro específico, processo (chamado de otimização de códon) que pode resultar no aumento da eficiência de produção.

4 – Obtenção de mais cópias do cDNA. Para amplificar a sequência de interesse são realizadas reações em cadeia da polimerase (PCR, sigla em inglês), técnica de suma importância para a biotecnologia. 

Parque Nacional de Yellowstone (EUA), onde foram descobertas e isoladas de microrganismos as enzimas termoestáveis utilizadas na PCR. Fonte: National Park Service

5 – Clonagem em vetor. Continuando o processo de produção, o cDNA deve ser clonado/inserido em um vetor, como um plasmídeo (molécula de DNA circular capaz de auto replicação dentro de uma célula), para permitir a inserção do gene alvo no organismo hospedeiro capaz de expressar várias cópias da proteína. Existem diferentes tipos de plasmídeo (com propriedades diferentes dependendo do tipo de organismo hospedeiro selecionado) e também diferentes maneiras de realizar uma clonagem, mas não vamos entrar em detalhes sobre elas por ora.

A fim de confirmar a inserção do gene de interesse, é feito um controle de qualidade do DNA plasmidial por técnicas de sequenciamento.

6 – Introdução do plasmídeo no organismo hospedeiro. No nosso exemplo da insulina, após a clonagem, o plasmídeo será introduzido nas células bacterianas por um processo chamado transformação, em que poros são gerados na membrana das células para que o DNA exógeno adentre. Esses buracos transitórios podem ser feitos, por exemplo, por choques de temperatura ou por corrente elétrica (eletroporação), porém existem outros métodos propícios de inserção de moléculas de DNA nos mais diversos hospedeiros.

7 – Seleção dos organismos transformados. É importante saber que o plasmídeo normalmente contém uma marca de seleção, que possibilita a diferenciação das células que receberam o DNA de interesse das que não o receberam. A título de exemplo, digamos que o nosso plasmídeo confira resistência ao antibiótico “A”. Sendo assim, as bactérias transformadas conseguirão sobreviver em um meio de cultura com esse antibiótico, enquanto as outras não, permitindo a seleção das células que contém o plasmídeo para produção da proteína de interesse. 

8 – Expansão das células transformadas. Nesta etapa, as células que foram selecionadas serão cultivadas em uma escala maior, podendo utilizar biorreatores para tornar o processo mais prático. O escalonamento do processo é imprescindível para a produção industrial da proteína alvo.

9 – Indução da expressão.   A depender da construção do plasmídeo, a expressão é constitutiva, ou seja, o hospedeiro produz constantemente a proteína. Neste caso, não há necessidade de realizar esta etapa. Porém, a expressão pode ser dependente de indutores, moléculas que regulam a atividade transcricional do plasmídeo. Ao serem adicionadas ao meio, elas induzem a transcrição e consequente tradução da proteína alvo no hospedeiro. Saiba mais sobre moléculas indutoras neste texto.

10 – Purificação. Esta etapa tem a finalidade de recuperar e isolar o alvo de interesse; ela é crucial, pois é necessário diminuir ao máximo a concentração de outras proteínas no produto final. As técnicas de purificação variam de acordo com as características da proteína alvo e do sistema de expressão utilizado, e envolvem a remoção de detritos celulares, a captura da proteína e a remoção de contaminantes.

Representação esquemática simplificada do processo de produção de uma proteína recombinante, indicando desde a escolha do alvo até a produção em larga escala. Fonte: Adaptado do livro Pharmaceutical Biotechnology.

Resumindo

As proteínas recombinantes são produtos feitos a partir de processos biotecnológicos. A fabricação delas é feita pela escolha de um alvo; amplificação via PCR do DNA correspondente, clonagem em um sistema de expressão, seleção e purificação; além disso, a produção pode ser aumentada para uma escala industrial. Caso queira aprender mais sobre o processo de criação de projetos de biotecnologia, acesse este outro texto do Profissão Biotec!

A tecnologia do DNA recombinante facilitou a produção de uma ampla variedade de proteínas, com importância científica e econômica. A substituição dos produtos extraídos de animais pelos fabricados de maneira recombinantes trouxe vantagens como: aumento de pureza e concentração do componente ativo; facilidade de escalonar; possibilidade de fazer um produto “sob-medida”, com propriedades desejáveis; e custo-benefício de produção. Já existem diversas proteínas recombinantes disponíveis no mercado, e a projeção é de aumento na quantidade e qualidades desses produtos biotecnológicos.

Texto revisado por Bianca Chaves e Natália Videira

Cite este artigo:
FRANCA, L.V. Produção biotecnológica de proteínas: um guia prático para iniciantes. Blog do Profissão Biotec, v.9, março/2021.

Referências:

Andersen DC, Krummen L. Recombinant protein expression for therapeutic applications. Curr Opin Biotechnol. 2002 Apr;13(2):117-23. doi: 10.1016/s0958-1669(02)00300-2. PMID: 11950561.

Crommelin, Daan J. A.; Sindelar, Robert; Meibohm, Bernd. Pharmaceutical Biotechnology. 5ª edição. Canadá. Ed Springer, 2019.

Gifre, L., Arís, A., Bach, À. et al. Trends in recombinant protein use in animal production. Microb Cell Fact 16, 40 (2017). https://doi.org/10.1186/s12934-017-0654-4

Itakura K, Hirose T, Crea R, Riggs AD, Heyneker HL, Bolivar F, Boyer HW. Expression in Escherichia coli of a chemically synthesized gene for the hormone somatostatin. Science. 1977 Dec 9;198(4321):1056-63. doi: 10.1126/science.412251. PMID: 412251.

Protein expression and Purification core facility. EMBL. Disponível em <https://www.embl.de/pepcore/pepcore_services/protein_expression/ecoli/>. Acesso em: 20 de Janeiro de 2021

Foto de capa: Foto de Edward Jenner no Pexels

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