Muitos cientistas consideram as vacinas como o maior avanço biotecnológico da história devido ao seu impacto na prevenção e até erradicação de inúmeras doenças. Por isso o Profissão Biotec produziu uma série de textos para contar a história das vacinas, desde o seu desenvolvimento até o seu impacto positivo sobre a economia e a saúde pública.
No último texto do Especial Vacinas destacamos a importância da pesquisa e produção de vacinas, principalmente no Brasil. Abordaremos agora as perspectivas para novas vacinas contra COVID-19, dengue e vacinas terapêuticas.
Etapas da PD&I de vacinas
O processo de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) de uma vacina demora, em média, entre 10 e 20 anos, pois envolve etapas longas, complexas e de alto investimento. Essas etapas são:
- Descoberta: etapa que envolve experimentos e pesquisa básica sobre o antígeno causador da doença e que será utilizado na vacina;
- Pré-desenvolvimento: etapa em que é realizada a caracterização físico-química e biológica do antígeno (análises de sequenciamento genético, caracterização do metabolismo, entre outros), a padronização da escala de cultura do antígeno e estudos do escalonamento da cultura e reprodutibilidade;
- Desenvolvimento tecnológico: onde são definidas as tecnologias empregadas no desenvolvimento da vacina. As principais tecnologias estão descritas aqui;
- Estudos pré-clínicos: testes iniciais realizados em cultura de células (in vitro) e em animais para avaliação da segurança e da imunogenicidade da vacina, como descrito aqui;
- Estudos clínicos: testes de segurança e eficácia realizados em voluntários (humanos), como descrito nesse texto;
- Registro: os resultados dos testes pré-clínicos e clínicos são submetidos ao órgão regulamentador que fiscaliza esses testes e emite a liberação das vacinas. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é a responsável por essa regulamentação. Saiba mais sobre a ANVISA e as principais etapas desse processo;
- Produção industrial: etapa que necessita de laboratórios modernos, mão de obra especializada e altos investimentos. No Brasil, as vacinas são produzidas predominantemente pelo setor público.
Pesquisa e produção de vacinas no Brasil
No Brasil, os processos de PD&I de vacinas são realizados principalmente por instituições públicas, com recursos governamentais.
Na década de 1980, a multinacional Syntex do Brasil que detinha 80% do mercado nacional de vacinas deixou de produzir imunobiológicos e o governo brasileiro, por meio do Ministério da Saúde, organizou o Programa de Autossuficiência Nacional de Imunobiológicos (PASNI). O PASNI foi fundamental para o incentivo à modernização dos laboratórios produtores e definição da política para o setor.
Por meio do PASNI foram destinados recursos para instituições públicas que se tornaram referência na produção de imunobiológicos no Brasil: Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz/RJ); Instituto Butantan (SP); Instituto Vital Brazil (RJ); Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar/PR); Fundação Ezequiel Dias (Funed/MG); Fundação Ataulfo de Paiva (RJ) e Instituto de Pesquisas Biológicas (IPB/RS).
Na imagem abaixo, observamos o gráfico com os principais produtores de vacina no Brasil, com destaque para Bio-Manguinhos/Fiocruz e o Instituto Butantan. Mais informações sobre essas instituições são encontradas nesses infográficos.
Desafios da produção de vacinas no Brasil
O setor de PD&I de vacinas brasileiro enfrenta grandes desafios. Dentre os principais obstáculos estão a falta de recursos humanos especializados, complexa burocracia, falta de investimentos e ausência de políticas governamentais de longo prazo. Esse é um assunto extenso e complexo, mas vamos pontuar algumas questões aqui:
- Falta de recursos humanos especializados: Embora os centros de pesquisa brasileiros, que incluem também as universidades públicas, possuam profissionais altamente qualificados, a falta de recursos financeiros limita o avanço científico dessas instituições e a formação de novos profissionais, que dependem de acordos de transferência de tecnologia e parcerias internacionais em muitas de suas pesquisas.
- Complexa burocracia: muitos dos equipamentos, reagentes e insumos utilizados na PD&I no Brasil são produzidos em outros países, e suas importações demandam tempo e muita burocracia.
- Falta de investimentos: No Brasil, a maior parte dos financiamentos é realizado por agências públicas como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar do financiamento prestado por essas agências públicas, esse investimento ainda é insuficiente para cobrir todos os gastos, o que limita a pesquisa e o desenvolvimento de novas vacinas, e reduz a competitividade tecnológica dos laboratórios e empresas nacionais.
- Ausência de políticas governamentais: A falta de uma política governamental de longo prazo que promova um financiamento contínuo e progressivo da PD&I dificulta o desenvolvimento de produtos essenciais para a saúde pública (vacinas, biofármacos, reativos para diagnóstico, entre outros) que poderiam suprir as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Como a maioria da PD&I no Brasil é financiada pelo governo, essa ausência de políticas governamentais impactam diretamente no desenvolvimento biotecnológico brasileiro.
Apesar de todas essas dificuldades, o Brasil tem grande destaque na produção de vacinas, e atualmente os laboratórios públicos nacionais produzem cerca de 14 tipos de vacinas. Contudo, somente 5 dessas vacinas tem seu ingrediente farmacêutico ativo (IFA, o princípio ativo da vacina) produzido no país. Grande parte dessa produção de vacinas ainda depende de parcerias internacionais, acordos de transferência de tecnologia ou insumos importados. Sem dúvida, se todos os problemas citados anteriormente fossem solucionados, o país ampliaria sua autonomia na produção de vacinas, contribuindo para o fortalecimento do SUS e da ciência brasileira.
Novas vacinas: o que podemos esperar para o futuro
Atualmente as pesquisas buscam vacinas cada vez mais eficazes, duradouras e com menos efeitos adversos. Dentre os exemplos mais recentes, e promissores, estão:
- Vacina contra dengue: o Instituto Butantan, em parceria com o National Institutes of Health dos Estados Unidos (NIH) e American Type Culture Collection dos Estados Unidos (ATCC), está desenvolvendo uma vacina de vírus geneticamente atenuado, contra os quatro tipos de vírus da dengue. A vacina já está na fase de testes clínicos com 17 mil voluntários.
- Vacina universal: os cientistas estudam novas tecnologias que permitam a elaboração de vacinas universais, como o caso da vacina contra gripe. O objetivo é desenvolver uma vacina única contra os diferentes tipos de vírus causadores da gripe, reduzindo a necessidade de revacinação. No Brasil, o Instituto Butantan foi o escolhido para ser um dos laboratórios mundiais a produzir a vacina contra o vírus Influenza aviário A (H7N9), um dos vírus com grandes chances de causar uma nova pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde.
- Vacina terapêutica: não tem ação profilática e sim terapêutica pois é capaz de induzir ou potencializar a resposta imunológica, controlando alguma doença já existente. Atualmente as vacinas terapêuticas mais estudadas são para doenças em que há dificuldade de cura e/ou tratamentos tradicionais, como a doença celíaca, hepatite B e AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), além das indicações oncológicas. Em 2011, a primeira vacina terapêutica para uso oncológico, a CimaVax EGF, foi desenvolvida por Cuba para ser utilizada em pacientes com câncer de pulmão. As vacinas terapêuticas são a grande aposta das indústrias farmacêuticas e de biotecnologia.
- Vacina contra COVID-19: a pandemia impulsionou as pesquisas sobre o Sars-CoV2, agente causador da COVID-19, permitindo que as vacinas fossem desenvolvidas e aprovadas em menos de um ano! Atualmente 8 vacinas já estão em uso em todo mundo e outras estão em desenvolvimento como a ButanVac e a Versamune, que devem ser produzidas no Brasil.
Atualmente cerca de 120 doenças infecciosas e 105 tipos de câncer são alvos dos estudos para novas vacinas: Herpes, Mal de Alzheimer, Diabetes tipo 1, Esclerose múltipla, câncer renal, de mama, de pâncreas, de ovário são alguns exemplos. Contudo, algumas doenças que ainda acometem um grande número de indivíduos, como Malária, Zika, Chikungunya e Doença de Chagas não recebem tanta atenção e investimentos das principais indústrias e centros de pesquisa.
Vacinas: investimentos, colaboração e progresso
Em 2020 assistimos uma verdadeira corrida pela vacina contra COVID-19 e, felizmente, essa vacina foi produzida em tempo recorde! Isso ocorreu devido a colaboração entre diferentes laboratórios e países, a rápida disseminação de informações científicas sobre a doença e aos bilhões de dólares investidos em pesquisa e produção.
Além disso, os avanços científicos nas áreas de biotecnologia, engenharia genética e biologia molecular também contribuíram muito para todo esse sucesso. O desenvolvimento da vacina contra COVID-19 é um exemplo de como a colaboração entre os cientistas, o investimento financeiro adequado e os avanços científicos podem resultar em um benefício (vacina) seguro e eficaz para a população.
Ao longo da nossa série Especial Vacinas discutimos toda a história das vacinas, suas etapas de pesquisa e desenvolvimento e sua relevância para saúde pública e economia. Entendemos como os avanços nessa área da biotecnologia são decisivos para o progresso de um país, e como é importante apoiar as campanhas de vacinação e incentivar políticas públicas e investimentos para o setor. Afinal, a vacinação é um pacto social e um direito de todo indivíduo.
Cite este artigo:
LOPES, B.P. Especial Vacinas: pesquisa, produção e novas perspectivas. Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/especial-vacinas-pesquisa-producao-e-novas-perspectivas/ > Acesso em: dd/mm/aaaa