Segundo a Euromonitor International, em 2020, cada brasileiro consumiu 826 xícaras de café, cerca de duas por dia, e gastou R$127,20 durante o ano com o produto. O café, tão amado pela maioria da população, foi responsável por empregar aproximadamente 3,5 milhões de trabalhadores e gerar 27 bilhões de reais em faturamento neste mesmo ano. Além disso, a borra produzida por esse produto possui um enorme enorme potencial econômico.
O hábito de tomar café, desde que em doses moderadas (de 4 a 5 xícaras de 50 ml por dia), não oferece riscos ao organismo. Muito pelo contrário, ele proporciona diversos benefícios, como acelerar o metabolismo, queimar calorias, aumentar a expectativa de vida, fortalecer a memória e diminuir o risco de depressão. No entanto, geralmente procuramos essa bebida por conta dos efeitos energéticos que ela nos proporciona, permitindo que fiquemos acordados e mais atentos. Porém, por que muitas pessoas não conseguem aproveitar essas vantagens?
A magia do café
Vamos entender quem é a responsável pelo café ser mundialmente conhecido como a bebida favorita de estudantes e trabalhadores, já que promove o despertar, a disposição e o afastar do sono após o almoço. Esse princípio ativo é a cafeína, substância natural presente nas sementes do cafeeiro e em várias outras plantas, como a erva-mate (usada para fazer chimarrão e tererê), o cacau, o guaraná, a cola e diversos tipos de chá, como o chá preto e o chá de alecrim.
A cafeína é um composto químico de fórmula C₈H₁₀N₄O₂ que possui solubilidade extrema em água quente, não tem cheiro e apresenta sabor amargo. Uma xícara de café contém, em média, 100mg dessa substância. Já numa xícara de chá ou em um copo de refrigerante, podemos encontrar cerca de 40 mg.
Como a cafeína é solúvel em água e lipídios, ela atravessa facilmente a barreira hematoencefálica que separa a circulação sanguínea do interior do cérebro. Por ser muito parecida com a adenosina (neurotransmissor responsável por “avisar” ao cérebro que estamos cansados), a molécula de cafeína passa a ocupar os receptores específicos do neurotransmissor original, o que nos permite burlar a sonolência. Ao mesmo tempo, esse princípio ativo desencadeia a liberação de adrenalina, o hormônio de “luta ou fuga”, associado ao aumento de energia.
Por outro lado, a cafeína influencia a atividade de ligação da dopamina e da glutamina com seus respectivos receptores. Dessa forma, esses neurotransmissores passam a circular livremente pela corrente sanguínea, deixando o indivíduo mais alerta e bem humorado.
Uma equipe da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Estados Unidos, descobriu que a cafeína estimula certas memórias, até pelo menos 24 horas após o consumo. Segundo o estudo, a cafeína tem um efeito positivo sobre a memória a longo prazo em humanos.
Além disso, por ser uma bebida rica ácido clorogênico (C₁₆H₁₈O₉), ácido cafeico (C₉H₈O₄) e kahweol (C₂₀H₂₆O₃) o café ajuda a combater radicais livres, o que previne o envelhecimento precoce, câncer, depressão e diabetes. Esses radicais são moléculas moléculas liberadas pelo metabolismo do corpo com elétrons altamente instáveis e reativos, que podem causar doenças degenerativas
No entanto, o consumo excessivo dessa substância pode causar overdose no organismo, provocando sintomas como dor de estômago, tremores, insônia e ansiedade. Por isso, deve-se ter cuidado com as quantidades de cafeína ingeridas por dia.
Por que a cafeína “não funciona” para algumas pessoas?
Agora, vamos para a parte que nos intriga quando pensamos sobre café. Muitas pessoas não conseguem sentir os efeitos produzidos pelas bebidas e pílulas cafeinadas e, muitas vezes, isso não está relacionado à qualidade da substância que está sendo ingerida.
A resposta para essa questão pode estar contida no interior das células humanas, mais precisamente no código genético. Segundo Marilyn Cornelis, pesquisadora da Northwestern University, incorporamos fatores genéticos que nos ajudam a autorregular nossa ingestão de cafeína.
Sendo assim, dois genes são responsáveis pelo processo de metabolização da cafeína: o CYP1A2, que codifica a enzima que metaboliza 95% do que foi ingerido, e o AHR, que controla a produção desta proteína. Juntos, esses genes controlam a quantidade de cafeína que circula em nossa corrente sanguínea e por quanto tempo essas moléculas “passeiam livremente”.
Basicamente, se você possui um metabolismo regulado por esses genes de maneira eficiente, a cafeína não vai durar o suficiente para afetar profundamente os centros de estímulo do seu cérebro. Mas caso sua produção da enzima que elimina a cafeína seja menor, mais da substância química irá circular em seu corpo por mais tempo, o que te tornará mais vulnerável aos efeitos causados por essa molécula.
Além disso, estudos recentes com o gene ADORA2A, responsável pela expressão de receptores de adenosina, apontam sua possível influência na reação do corpo à cafeína. Uma mutação neste gene pode ser responsável por quadros de ansiedade e sonolência após ingestão de café. Um estudo de 2008 descobriu que uma quantidade de 150 mg por dia (quantidade de cafeína equivalente a um grande cappuccino grande) pode causar ansiedade momentânea em pessoas com uma certa mutação nesse gene.
Outro fator importante ao analisarmos essa questão é a regularidade com a qual se ingere bebidas ou alimentos cafeinados. Geralmente, pessoas que apreciam quantidades diárias de cafeína tendem a desenvolver uma tolerância maior à substância, mesmo que seu metabolismo não seja tão eficiente. No entanto, como apresentado acima, o consumo excessivo dessa substância pode causar diversos problemas, e, em resposta a isso, as evoluções da ciência permitiram criar uma forma de contornar isso.
A ciência e o café
Nos últimos anos, diversas bebidas sofreram transformações para se adequar às necessidades da sociedade e o café não poderia ficar de fora dessa evolução. Devido à genialidade do químico alemão Friedlieb Ferdinand Runge, que descobriu a cafeína, e à incrível sorte de Ludwig Roselius, chefe da empresa de café Kaffee HAG, hoje podemos olhar para um menu nas cafeterias e escolher um café descafeinado.
Em 1903, uma carga de café num navio havia sido inundada pela água do mar, o que provocou um processo de dissolução química e, com isso, a cafeína foi liberada, mas sem afetar o sabor da bebida. Roselius, a partir disso, elaborou um método industrial para repetir esse feito, cozinhando os grãos com vários ácidos antes de usar o solvente benzeno para remover a cafeína.
Segundo Chris Stemman, diretor-executivo da associação British Coffee, “a descafeinação acontece quando o café ainda está verde, antes de ser torrado. Se você fosse tentar descafeinar um café torrado, acabaria fazendo algo que tem gosto de palha”.
Primeiramente, os grãos são embebidos em água e depois cobertos em uma solução contendo cloreto de metileno ou acetato de etila. Em seguida, a água com solvente é reutilizada seguidas vezes até estar cheia de aromas e compostos de café – praticamente idênticos aos grãos, com exceção da cafeína e do solvente. Nesse estágio do processo, os grãos perdem muito pouco sabor, porque são essencialmente embebidos em uma essência concentrada de café.
Embora cada um desses métodos retire a maior parte da cafeína, não existe uma bebida completamente descafeinada. No entanto, com cafeína ou sem, o café é uma bebida indispensável para muitas pessoas durante o dia a dia, assim como refrigerantes e chás. Apesar de os benefícios energéticos não serem sentidos sempre, o sabor peculiar e delicioso desses líquidos e alimentos garantem o primeiro lugar nos rankings individuais de preferência nos mais variados cantos do mundo.
Cite este artigo:
ENRICI, A. W. Café e DNA: Por que muitas vezes não sentimos o efeito da cafeína? Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/cafe-e-dna-por-que-muitas-vezes-nao-sentimos-efeito-dacafeina/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
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DEWITT, David. Why Doesn’t Caffeine Affect Me? – 5 Reasons Caffeine Doesn’t Work. Disponível em: https://thecozycoffee.com/caffeine-doesnt-affect-me/. Acesso em: 28/10/2021.
DOWLING, Stephen. Entenda como é feito o café descafeinado. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-46284000. Acesso em: 29/10/2021.
KELLY, Kate. Why Caffeine Affects Some People More Than Others. Disponível em: https://blog.lacolombe.com/2018/07/06/caffeine-affects-people-others/. Acesso em: 01/11/2021.
ROMANO, Luca. 5 Main Reasons Why Caffeine Doesn’t Work For You. Disponível em: https://docs.google.com/document/d/1e6ZHfX4sv9nkCFigChuVSIMZYu51X2BbqHKu-Wz44e8/edit#. Acesso em: 02/11/2021.
Fonte: Unsplash.