Você com certeza já ouviu que “você é o que você come”, mas já parou pra pensar que talvez você seja “as bactérias que você come”? Já se sabe que a microbiota (comunidade de microrganismos) vegetal é essencial para a saúde das plantas e que a microbiota do nosso intestino é essencial para a nossa saúde. O que estamos descobrindo agora é que a microbiota presente nos alimentos que ingerimos vai influenciar diretamente na composição da nossa microbiota. E essa é uma informação que deve ser levada muito a sério, pois pode influenciar a maneira como enxergamos e manejamos o nosso alimento.
Nossa alimentação não é mais apenas fonte de nutrientes como carboidratos, proteínas, vitaminas e fibras. É também fonte de bactérias que podem ser benéficas ou maléficas à nossa saúde. O que vai determinar isso é a forma como tratamos a produção de alimentos desde a preparação do solo para a plantação.
A microbiota das plantas
Uma planta possui ao menos 3 microbiotas diferentes: a rizosfera, a filosfera e a endosfera. A rizosfera é a microbiota presente no solo que interage com a raiz das plantas, é a mais conhecida de todas. A filosfera são os microrganismos que vivem na superfície do vegetal, como a própria raiz, caule, folhas, flores e frutos. Já a endosfera são os microrganismos que vivem no interior dos tecidos, vivendo em simbiose com a planta.
A rizosfera costuma ser a mais diversa e a endosfera a menos rica em espécies de microrganismos, mas as três são essenciais para a saúde do vegetal. Por exemplo, esses micróbios auxiliam no processo de crescimento, absorção de nutrientes, resistência a patógenos e adaptação ao clima e aumentam a produtividade. A microbiota vegetal também é fundamental na produção de metabólitos secundários que são benéficos para a planta e para nós que nos alimentamos dela, tais como: flavonoides, ácidos graxos poli-insaturados e colina.
Além desses compostos importantes à nossa saúde, a microbiota presente nos alimentos irá ajudar a compor a nossa própria microbiota.
Microbiota intestinal
A nossa microbiota intestinal possui cerca de 1000 espécies de bactérias diferentes, mas a maior parte da comunidade de bactérias é composta por 30 ou 40 espécies. Muitos dos filos encontrados em nosso intestino são comuns à microbiota vegetal, tais como: Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobacteria, Actinobacteria.
Além disso, as bactérias presentes no nosso intestino ajudam na digestão dos alimentos, produção de metabólitos secundários que auxiliam no processo de absorção dos nutrientes e, caso essa microbiota esteja desbalanceada, pode-se desenvolver doenças inflamatórias, diabetes, obesidade, doenças renais, entre outras. Nossa microbiota também está associada ao desenvolvimento de câncer e de doenças mentais como depressão, ansiedade, doença de Parkinson, epilepsia e autismo.
Impacto da domesticação das plantas
O desenvolvimento da agricultura moderna com o uso de máquinas, criação de novas variedades e uso de fertilizantes e pesticidas na lavoura foi crucial para a produção de alimentos em larga escala. No entanto, esses recursos também prejudicaram a diversidade de microrganismos presentes no solo, disponíveis para compor a rizos, filos e endosfera das plantas. O uso de grandes quantidades de herbicidas, pesticidas, fertilizantes e a erosão do solo torna o solo mais pobre em micróbios benéficos às plantas.
Além disso, os pesticidas usados na conservação dos alimentos na pós colheita, além de reduzirem a diversidade da comunidade de microrganismos nos vegetais, também podem prejudicar os micróbios benéficos do nosso intestino. E outra complicação são os campos fertilizados com esterco de animais tratados com antibióticos que podem matar bactérias benéficas às plantas e levar ao solo e ao nosso intestino genes de resistência, favorecendo o aparecimento de superbactérias.
Como resolver o problema?
O primeiro passo é o enriquecimento do solo com microrganismos benéficos. Isso pode ser feito com produtos inoculantes, que inclusive ajudam o agricultor a economizar dinheiro com fertilizantes químicos nitrogenados, por exemplo. Adicionalmente, os biofertilizantes e biodefensivos são alternativas capazes de minimizar o impacto dos produtos químicos na redução da microbiota do solo.
Outras alternativas podem ser adotadas na pós-colheita como a redução do uso de agrotóxicos para conservação dos alimentos, que pode ser feita com o armazenamento sob refrigeração, controle biológico com microrganismos antagonistas e uso de revestimentos comestíveis para proteção dos frutos.
Essas novas descobertas ampliam nossos horizontes para percebermos que “nós” e a “natureza” somos uma coisa só e não existe maneira de cuidar da nossa saúde sem nos preocuparmos com o meio ambiente. Ao desenvolvermos uma agricultura sustentável, ecologicamente correta e que promova a saúde do solo e das plantas, estaremos também contribuindo com a saúde das pessoas, melhorando sua nutrição, funcionamento e composição de sua microbiota intestinal.
Para saber mais sobre como a Biotecnologia pode ajudar a alcançar esses objetivos leia os seguintes textos do Profissão Biotec:
- Como a biotecnologia pode substituir os agrotóxicos
- ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável por meio da biotecnologia
Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. As bactérias que você come: Como o microbioma do solo influencia na sua saúde. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/as-bacterias-que-voce-come-microbioma-do-solo-e-saude/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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