A biotecnologia está presente em diversos segmentos como farmacêutico, indústria de alimentos, melhoramento genético, meio ambiente, agricultura e desenvolvimento de produtos. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2030, a Biotecnologia Industrial deve movimentar 1,57 bilhão de reais (na cotação de Novembro de 2023) no mundo. Nos últimos 40 anos, devido aos investimentos no setor, o Brasil deixou de comprar alimentos de outros países para se tornar exportador, aumentando a produção de grãos em mais de 500%, ultrapassando 300 milhões de toneladas de grãos produzidos na safra 2022/2023. Boa parte dessa produção foi possível pelas técnicas de melhoramento genético das plantas através da biotecnologia.
A produção agrícola no Brasil iniciou logo depois da chegada dos portugueses ao país, passando por diversos altos e baixos. A crise global que derrubou os preços do café em 1900, foi a responsável pela diversificação da produção agrícola, seguida da grande urbanização, que exigiu a produção de diferentes matérias-primas.
Foi só depois de 1960 que o setor passou a se modernizar, aumentando o número de propriedades com máquinas agrícolas. O desenvolvimento do agro do Brasil ocorreu a partir da adoção das boas práticas agronômicas como a rotação de culturas para manter a qualidade do solo, o melhoramento genético de plantas para aumentar a produtividade e a resistência às pragas, possibilitando menor uso de herbicidas. Em 1998, foi aprovado no Brasil o primeiro alimento transgênico, uma cultura de soja tolerante ao glifosato e eficiente no controle de ervas daninhas. Na última década, o avanço da tecnologia com máquinas equipadas com GPS (sistema de navegação por satélite, tradução livre para o português), uso de drones, robôs e, recentemente, inteligência artificial foram os passos que faltavam para o país alavancar a produção agrícola. Já para as próximas décadas, o código genético deverá ser a base das criações que possibilitarão aumento das riquezas econômicas dos países. Por isso, o conhecimento da biotecnologia e das modificações possíveis no DNA é tão importante.
A agricultura aliada à biotecnologia tem buscado desenvolver produtos mais eficientes (maior produtividade com menor ocupação de terras), com menor custo e diminuição na produção de gases de efeito estufa. Responsável por 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, parâmetro utilizado para quantificar a atividade econômica de uma região, o agronegócio tem investido em tecnologia de ponta e apostado na modernização para manter-se entre os maiores exportadores do mundo. Portanto, é um setor em pleno crescimento e que abre muitas oportunidades para profissionais da biotecnologia.
Biotecnologia no setor agrícola
Os avanços biotecnológicos têm contribuído com o setor agrícola, pois ambos têm o objetivo de produzir mais com menos. As variedades de plantas geneticamente modificadas permitem reduzir o uso de herbicidas paralelamente ao ganho em produtividade. Foram anos de pesquisa em universidades, empresas e instituições públicas e privadas que possibilitaram o crescimento do setor no país.
A soja, por exemplo, é uma planta cultivada em regiões frias, principalmente próximas ao paralelo 30 que no Brasil passa por Porto Alegre. Por isso, o Rio Grande do Sul foi por muito tempo quase que exclusivamente o único estado produtor da cultura no país. A partir das técnicas de melhoramento genético foram desenvolvidas plantas que se adequam a diferentes solos e climas, menos sensíveis aos dias longos e mais resistentes às pragas. Dessa forma, o cultivo da soja pôde avançar para outras regiões do país.
A biotecnologia no setor agrícola viabiliza o desenvolvimento de produtos e serviços mais sustentáveis e considerados ecologicamente corretos, mantendo a qualidade e produtividade. Além do melhoramento genético, a biotecnologia colabora com o desenvolvimento de biofertilizantes e biopesticidas, em avanços no processo de biorremediação de áreas contaminadas e na produção de biocombustíveis para geração de energia limpa. As questões éticas e regulatórias também são parte importante da aplicação da biotecnologia no setor para manter a qualidade e segurança.
Produtos biotecnológicos
A biotecnologia Bt, ou plantas Bt, surgiu com um estudo da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), naturalmente presente nos solos. O DNA desse microrganismo possui genes que codificam proteínas inseticidas, chamadas de cristais Bt ou proteínas Bt. Existem diversos tipos (cepas) dessa bactéria e cada uma atua contra um grupo de insetos. Já foram identificados 993 genes que codificam a proteína Bt, desde o primeiro sequenciamento em 1981.
Pequenas diferenças na sequência genética dessa proteína Bt estão diretamente relacionadas com o aumento da eficiência e especificidade das toxinas contra uma praga. Assim, alguns genes Bt têm sido inseridos em plantas, que passam a produzir a proteína que as tornam resistentes a determinadas pragas. Isso permite a redução na aplicação de defensivos químicos (agrotóxicos). Essa tecnologia tem feito sucesso sendo o algodão Bt cultivado em 26 países, como Brasil, Estados Unidos e Argentina, bem como o milho Bt e a soja Bt que já são plantados em mais de 20 países, alguns da União Europeia, África, Ásia, Américas entre outros.
Outra espécie muito utilizada na agricultura brasileira é a soja RR, desenvolvida com a tecnologia Roundup Ready, que confere resistência ao glifosato, o herbicida mais utilizado na história, mas que tem muitos efeitos adversos à saúde humana. No Rio Grande do Sul, 37% das sementes de soja comercializadas utilizam a tecnologia RR. Como essa tecnologia mantém elevada produtividade e já é consolidada no mercado, usada há muitos anos, apresenta um preço competitivo comparado às novidades do mercado. Mas vale lembrar, que a introdução de soja transgênica traz alterações no solo. A expansão da soja transgênica empurrou as pastagens em direção às florestas, causando novos desmatamentos.
A edição gênica através da técnica CRISPR permite a realização de alterações metabólicas específicas. A técnica aprimora características produtivas das plantas através da edição de genes do próprio organismo, sendo uma alternativa a transgenia, sem introduzir um gene externopara alcançar características desejadas.
O uso de elicitores é uma abordagem que vem sendo desenvolvida onde um pequeno estímulo de estresse é aplicado nas plantas, ativando sua capacidade de defesa e adaptação através da produção de metabólitos secundários. Os metabólitos secundários produzidos têm função nutracêutica nos alimentos. Os elicitores podem ser divididos em bióticos e abióticos. Os elicitores bióticos são próprios de organismos vivos como proteínas, carboidratos, bactérias, fungos e fitormônios (hormônios vegetais). Por sua vez, os elicitores abióticos são estímulos físicos dados às plantas que modificam seu metabolismo, como exposição à luz, sinais elétricos, radiofrequência, alterações na temperatura e estímulos mecânicos.
O uso desses bioestimulantes ainda é mais comum ao meio acadêmico, principalmente pela questão de produção de patentes, o que é um impasse para que as grandes empresas obtenham lucros comerciais. Além disso, o resultado das estratégias não pode ser generalizado, visto que as diferentes espécies de plantas não respondem da mesma forma aos fatores como concentração, tempo de uso e natureza do bioestímulo, o que necessita estudos bem específicos.
Papel da bioética na agricultura
A lacuna de informações sobre o desenvolvimento da biotecnologia, principalmente em relação à engenharia genética, gera dúvidas de até onde o ser humano pode chegar. A biotecnologia utilizada na agricultura com o objetivo de reduzir os problemas de produção corre o risco de transformar-se em um monopólio industrial, onde o agricultor depende dos insumos de grandes empresas. A bioética atua no sentido de respeitar as opiniões da sociedade humana desde que não invadam os direitos de outros indivíduos.
As instituições e os pesquisadores que estão à frente das pesquisas no setor agro defendem que o uso de culturas mais produtivas e resistentes, o avanço da tecnologia e a redução na aplicação de defensivos agrícolas podem tornar o Brasil um dos principais produtores e exportadores de alimentos do mundo. No entanto, existem pontos a serem avaliados como o avanço de organismos geneticamente modificados e culturas transgênicas que podem tornar-se uma monocultura, reduzindo a biodiversidade e ocasionando desajustes e desequilíbrio ambiental. Nesse contexto, é importante a biotecnologia continuar atuando atentamente no desenvolvimento do setor sem esquecer dos cuidados com o meio ambiente.
A Lei de Propriedade Intelectual (LPI) impõe restrições à patenteabilidade de algumas invenções biotecnológicas como as relacionadas a organismos multicelulares, mesmo que tenham alguma modificação genética. Isso por que esses organismos não são considerados uma invenção pois já existiam na natureza. As diretrizes do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e a Lei de Proteção de Cultivares também buscam proteger os inventores de pirataria de sementes e mudas, mas precisam de algumas atualizações para garantir que o obtentor da patente possa exercer seu direito em relação ao material colhido.
Como visto, a biotecnologia tem se mostrado uma grande aliada do setor agrícola, trazendo melhorias para os insumos e matéria-prima, resultando em um produto final que fornece benefícios ao produtor e ao consumidor. A biotecnologia agrícola ainda promete entregar soluções para um dos grandes desafios atuais que é o aquecimento global. Além de entregar produtividade, as novas culturas deverão promover a mitigação dos gases de efeito estufa, reduzindo as alterações climáticas que o planeta tem enfrentado. Muitos estudos continuam sendo desenvolvidos no setor que se mostra promissor para a atuação de profissionais em biotec.
Cite este artigo:
CARDIAS, B. B. O Agro é pop, o agro é Biotec: como a biotecnologia tem influenciado o avanço da agricultura. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/agro-pop-biotec-como-biotecnologia-influenciado-avanco-agricultura>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
CONFEDERAÇÃO Nacional da Indústria. 2014. Bioeconomia: oportunidades, obstáculos e agenda. Disponível em: <https://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2014/07/22/479/V35_Bioeconomiaoportuidadesobstaculoseagenda_web.pdf>. Acesso em: 04 out. 2023.
MALISZEWSKI, Eliza. 2021. Soja RR reduz custos ao produtor. Agrolink. Disponível em: <https://www.agrolink.com.br/noticias/soja-rr-reduz-custos-ao-produtor_458504.html>. Acesso em: 04 out. 2023.
MELO, Juliana Tavares. A ética da biotecnologia moderna. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/biologia/a-etica-biotecnologia-moderna.htm>. Acesso em: 04 out. 2023.
SITE CropLife Brasil. Biotecnologia Bt: uma solução para o controle de insetos pragas. Disponível em: <https://croplifebrasil.org/conceitos/biotecnologia-bt/>. Acesso em: 04 out. 2023.
SITE Embrapa. 2022. Trajetória da agricultura brasileira. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/visao/trajetoria-da-agricultura-brasileira>. Acesso em: 04 out. 2023.
SITE G1. 2023. Biotecnologia em alta: sinônimo de inovação e sustentabilidade para a indústria. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/especial-publicitario/fiep/sistema-fiep/noticia/2023/07/13/biotecnologia-em-alta-sinonimo-de-inovacao-e-sustentabilidade-para-a-industria.ghtml>. Acesso em: 04 out. 2023.
SITE FieldView. 2023. Agronegócio no Brasil: um panorama da importância, oportunidades e desafios no país. Disponível em: <https://blog.climatefieldview.com.br/agronegocio-no-brasil>. Acesso em: 04 out. 2023.
Fonte da imagem destacada: Freepik.
Uma excelente matéria