Os ecossistemas terrestres são fundamentais para a manutenção da vida no planeta. É deles que depende, por exemplo, a produção de boa parte do nosso alimento. Além disso, é da terra que vêm matérias-primas e serviços essenciais para nossa sobrevivência e sustento. Os ecossistemas terrestres são, ainda, fonte de inestimável biodiversidade, definida como a variedade de todos os seres vivos.
Entretanto, os ecossistemas terrestres e a sua biodiversidade têm sofrido ameaças. Segundo o relatório “Índice Planeta Vivo 2020”, produzido pelo WWF, 75% da superfície terrestre sem gelo do planeta já foi significativamente alterada.
O uso intensivo da terra, a exploração de espécies animais e vegetais e as mudanças climáticas estão entre as principais “forças” associadas à degradação desses ecossistemas e à perda da biodiversidade.
Outro indicador que acende o alerta é o Índice de Integridade da Biodiversidade (IIB). Calculado a partir de um grande conjunto de espécies de plantas e animais distribuídos por todo o planeta, o IIB é um indicador de quanto da biodiversidade original permanece presente em comunidades ecológicas terrestres.
O limite inferior de segurança proposto para o IIB é de 90%, valor que assegura o fornecimento de serviços para a manutenção da vida no planeta. Porém, o índice global atual é de 79%, ou seja, já ultrapassamos a zona de perigo e estamos sob risco de perder valiosos benefícios associados à biodiversidade.
O Índice de Integridade da Biodiversidade (IIB) vem caindo para todas as regiões do planeta. O IIB global atual é de 0,79, valor abaixo do limite inferior de segurança (0,90), o que reflete a perda da biodiversidade de comunidades ecológicas terrestres. Fonte: modificado de WWF (2020)
#PraTodosVerem: no gráfico, o eixo das ordenadas representa os valores para o Índice de Integridade da Biodiversidade (IIB) para diferentes regiões do mundo. A escala vai de 0,6 a 1,0. O eixo das abscissas representa os anos, e a escala varia entre 1700 e 2014. Há cinco linhas, cada uma representando as regiões: global, Américas, Ásia-Pacífico, África e Europa-Ásia Central. Há uma linha horizontal vermelha correspondente ao valor para o IIB igual a 0,90. Acima dessa linha, lê-se “limite inferior de segurança”.Todas as regiões apresentam curva com tendência de queda para o IIB em função dos anos, com a tendência acelerada a partir de 1850. Todas as curvas encontram-se abaixo do limite inferior de segurança de 0,90. Para 2014, ano da medida mais recente, os valores para o IIB são, aproximadamente: 0,79, para a média global; 0,82 para as Américas; 0,75 para a região Ásia-Pacífico; 0,77 para a África; e 0,80 para a Europa-Ásia Central.
Já vimos que os ecossistemas terrestres e a biodiversidade estão sob perigo iminente. Mas quais os motivos para salvá-los?
Por que se preocupar com os ecossistemas terrestres e com a biodiversidade?
Os ecossistemas terrestres nos fornecem alimentos, energia, fibras e outras matérias-primas, inclusive para a produção de medicamentos.
Além disso, os ecossistemas terrestres não nos suprem apenas com produtos, mas também serviços. Desses ecossistemas dependem, por exemplo, a regulação do clima, o fornecimento de água limpa, a ciclagem de nutrientes, a prevenção e o controle da erosão e de eventos extremos como inundações, entre outros.
Há, ainda, uma série de serviços e benefícios imateriais que nos são providos a partir dos ecossistemas terrestres e sua biodiversidade. Exemplos são a inspiração (quem nunca se perdeu em pensamentos ao olhar uma bela paisagem?) e o desenvolvimento de valores estéticos, espirituais ou religiosos, além de impactos positivos associados à saúde mental e física.
Em função da sua importância para a continuidade da vida no planeta e do estado alarmante em que se encontram, os ecossistemas terrestres foram incluídos na Agenda 2030 e são alvo de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o ODS 15.
O que é e quais as metas do ODS 15?
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 15, chamado “vida terrestre”, almeja:
“Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.”
O ODS 15 é desdobrado em 12 metas, com prazo de cumprimento entre 2020 e 2030. As metas que apresentam relação direta com a biotecnologia são:
- Assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores e seus serviços (…).
- Promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, deter o desmatamento, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente o florestamento e o reflorestamento globalmente.
- Combater a desertificação, restaurar a terra e o solo degradado, incluindo terrenos afetados pela desertificação, secas e inundações, e lutar para alcançar um mundo neutro em termos de degradação do solo.
- Tomar medidas urgentes e significativas para reduzir a degradação de habitat naturais, deter a perda de biodiversidade e proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas.
- (…) promover o acesso adequado aos recursos genéticos.
- Integrar os valores dos ecossistemas e da biodiversidade ao planejamento nacional e local (…).
Vejamos, agora, exemplos de soluções biotecnológicas relacionadas a essas metas.
Contribuições da biotecnologia para o ODS 15
1 – Práticas agrícolas mais sustentáveis
Como vimos, a principal pressão sobre os ecossistemas terrestres é o uso intensivo da terra em função, sobretudo, da expansão agrícola. Parte das estratégias para cessar e até mesmo reverter a degradação desses ecossistemas é baseada no desenvolvimento de sistemas agrícolas mais sustentáveis.
Neste sentido, a Biotecnologia pode ser uma grande aliada. Por meio dela, é possível aumentar a produtividade ou reduzir o impacto ambiental associado às práticas agrícolas. Há soluções biotecnológicas também para a melhoria da saúde do solo, que podem levar até mesmo à recuperação de áreas degradadas.
No Brasil, há várias empresas que aliam Biotecnologia à produção agrícola e desenvolvem soluções variadas para a agricultura. Para conhecer algumas delas, acesse o mapa do Profissão Biotec e selecione “Agricultura” como setor principal.
2 – Bioenergia e a mitigação das mudanças climáticas
Embora não sejam, ainda, o principal fator contribuinte para a degradação dos ecossistemas terrestres e perda da biodiversidade, as mudanças climáticas vêm ganhando importância nesse sentido. Logo, alternativas para mitigar as mudanças climáticas podem contribuir para frear os seus impactos negativos sobre a vida terrestre.
Entre as principais alternativas biotecnológicas para o desagravemento das mudanças climáticas está a produção de bioenergia, gerada, por exemplo, a partir de biocombustíveis ou de outras fontes energéticas “limpas”.
Um bom exemplo nessa frente de atuação é a produção de biogás. O Brasil apresenta o maior potencial do mundo para a produção dessa fonte energética e há vários centros de pesquisa, empresas e associações que trabalham para a viabilização e ampla utilização do biogás. A estimativa da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) é que seja possível produzir, no país, energia a partir do biogás suficiente para suprir 40% da demanda energética brasileira.
3 – Biotecnologia e a proteção da biodiversidade
Quanto à detenção da perda da biodiversidade, vale a regra de “conhecer para preservar”. Temos um exemplo disso aqui no Brasil: um consórcio multissetorial que trabalha para mapear a biodiversidade do Pantanal. Os resultados podem ser utilizados para estimar a riqueza da biodiversidade e avaliar como a fauna e flora do Pantanal são afetadas por queimadas. Assim, é possível propor estratégias de conservação mais direcionadas e específicas.
E se perdermos espécies vegetais importantes em função da degradação dos ecossistemas terrestres? Felizmente, para várias espécies, podemos contar com um “backup”. Há bancos de sementes locais, regionais, nacionais e internacionais que guardam aproximadamente 7 milhões de amostras.
Esses bancos podem ser utilizados não apenas para guardar a biodiversidade, mas também para que seja possível desenvolver novos cultivares adaptados às mudanças climáticas, por exemplo. Dessa forma, temos maior segurança nutricional e garantias de que, mesmo diante de um futuro incerto, será possível alimentar a crescente população mundial. Além disso, esses bancos possibilitam maior acesso aos recursos genéticos, uma das metas do ODS 15.
Nesse sentido, o Brasil conta com o quinto maior banco de sementes do mundo e o maior da América Latina. O banco genético, que está sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), guarda mais de 120 mil amostras de mais de mil espécies de plantas utilizadas como alimento.
Outro exemplo brasileiro que almeja preservar a biodiversidade local é o Corredor Caipira, projeto da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP). O projeto busca implantar um Banco Ativo de Germoplasma, que funcionará como uma espécie de pomar para a produção de mudas e sementes de árvores nativas e raras da Mata Atlântica.
4 – Bioeconomia
Por fim, não podemos nos esquecer da Bioeconomia. A Biotecnologia, nesse sentido, pode contribuir para a produção econômica sustentável. Como boa parte das pressões negativas sobre os ecossistemas terrestres é causada pelo nosso modo de produção atual, repensá-lo e reestruturá-lo a partir de pilares da Bioeconomia pode ser uma solução para frear a perda da biodiversidade e a degradação ambiental.
Diante dos desafios à nossa frente, a Biotecnologia é uma ferramenta poderosa para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Alvo do ODS 15, a proteção dos ecossistemas terrestres e da biodiversidade é, em essência, a busca pela manutenção da vida no planeta. Utilizar os recursos naturais e os serviços ecossistêmicos de maneira sustentável não apenas nos permitirá sobreviver, mas, sobretudo, manter nossa existência com qualidade de vida.
Cite este artigo:
LATOCHESKI, E. C. ODS 15: a Biotecnologia a favor da vida terrestre. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/ods15-biotecnologia-favor-vida-terrestre/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável: 15 – Vida terrestre. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/15>. Acesso em: 09 dez. 2021.
OECD (THE ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT). The Bioeconomy to 2030: Designing a Policy Agenda. 2009. Disponível em: <https://www.oecd.org/futures/long-termtechnologicalsocietalchallenges/42837897.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2021.
WWF (2018). Living Planet Report – 2018: Aiming Higher. Grooten, M. and Almond, R.E.A.(Eds). WWF, Gland, Switzerland: 2018. Disponível em: <c402277.ssl.cf1.rackcdn.com/publications/1187/files/original/LPR2018_Full_Report_Spreads.pdf>. Acesso em: 21 set. 2020.
WWF (2020). Índice Planeta Vivo 2020 – Reversão da curva de perda de biodiversidade. Almond, R. E. A.; Grooten, M.; Petersen, T. (eds.). WWF, Gland, Suíça, 2020. Disponível em: <f.hubspotusercontent20.net/hubfs/4783129/LPR/PDFs/Brazil%20FINAL%20summary.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2021.
Fonte da imagem destacada: Unsplash.